Resenha | Sobre os ossos dos mortos – Olga Tokarczuk

Resenha do livro Sobre os ossos dos mortos, de Olga Tokarczuk, a 15ª mulher a receber o Nobel de Literatura.

Análise de Sobre os ossos dos mortos: ilustração da capa do livro publicado pela Todavia em 2019

Publicado originalmente em 2009, o romance da polonesa Olga Tokarczuk é um hino à defesa dos animais. Feminista e vegetariana, a escritora é uma ativista da causa ecológica. Seu ativismo já lhe rendeu inúmeras críticas em seu país, com grupos chamando-a de antipatriótica e até mesmo acusando-a de ecoterrorismo. Apesar disso, ela segue firme e forte em sua luta!

Em 2019 a Editora Todavia passou a publicá-la. O lançamento inicial foi Sobre os ossos dos mortos, justamente uma obra que apresenta a visão ambientalista da autora. Será uma boa leitura? Vamos descobrir!

Mistério num vilarejo

O enredo gira em torno de uma onda de assassinatos que estão ocorrendo no lugarejo onde vive a protagonista. Janina Dusheiko, uma idosa, já foi engenheira, professora e, no tempo atual da narrativa, cuida das casas de veraneio de seus vizinhos.

Cheia de excentricidades, a sra. Dusheiko odeia seu primeiro nome, curte astrologia, se amarra na poesia de William Blake, ama mais os bichos do que o ser humano e prefere se referir aos outros por apelidos. Esquisito, Dísio e Boas Novas, amigos dela, são exemplos dessa característica peculiar.

Protetora dos animais, a protagonista, que habita uma área florestal próxima à fronteira da Polônia com a República Tcheca, compra uma briga com o clube de caça local. Suas duas cachorras desapareceram misteriosamente e ela acredita que os caçadores foram os responsáveis.

Quando Esquisito e a sra. Dusheiko encontram o corpo de Pé Grande, um vizinho e membro do clube, uma investigação policial tem início. Janina e seus amigos farão a própria averiguação. De acordo com os astros, já temos suspeitos: os animais da floresta, que estão organizando uma vendeta!

Hipocrisias

Esse romance aborda vários temas. A escritora discorre sobre astrologia, o sentido da vida e do existir, e, principalmente, a importância da vida animal. O ser humano é canalha e destrói sem dó a natureza, um tesouro tão importante para o mundo. Todos deveríamos preservá-la.

Enquanto vegetariana, Tokarczuk é contra o abate de animais e o consumo de carne. Sua protagonista é um reflexo disso. No livro, a autora critica a caça esportiva e predatória, defendendo a vida animal de um modo geral. Eu também não vejo sentido em caçar animais selvagens por esporte, ou até visando o consumo próprio.

Entretanto, quando falamos em comer carne, abrimos um leque vastíssimo, que inclui política, economia, cultura, alimentação e questões sociais. O enredo não caminha em direção a pensamentos tão profundos assim, sem expor vias plausíveis ou soluções, ficando apenas na superfície do debate — matar animais é errado.

Bem, há, sim, uma solução apresentada: o da revolta. Determinados argumentos da sra. Dusheiko soam absurdos, intencionalmente, uma vez que a obra foi escrita buscando causar desconforto interno. Ninguém quer ouvir uma velhinha queixosa, o que a deixa indignada com as autoridades. Daí surge um sentimento anárquico.

Em meio a tantas opiniões ao longo das páginas, sobrou até para a Igreja Católica. Uma das personagens é padre, ávido caçador. É comum a religião falar de amor ao próximo, porém o tal padre falha em demonstrar compaixão ao enaltecer a caça em seus sermões. Janina fica indignada e inclusive questiona a ingestão da hóstia, ou seja, o ato de consumir um animal (o cordeiro) de maneira simbólica.

São reprimendas a hipocrisias. Todos somos hipócritas em algum nível. Seria legal se o romance tivesse admitido a própria hipocrisia também.

Sobre a edição

Brochura, capa com orelhas, miolo em papel off-white e diagramação confortável. A ilustração da capa, arte de Talita Hoffmann, é um grande chamariz. Consegue ser bizarra e fofinha ao mesmo tempo, e tem muito a ver com o conteúdo da obra.

Tradução de Olga Bagińska-Shinzato, tradutora responsável por verter parte da saga The Witcher para o português do Brasil. Ela não é uma brasileira que aprendeu polonês. Olga Bagińska-Shinzato, na verdade, é polonesa e estudou português! Então, claro, é uma tradução direta e excelente.

A Todavia conseguiu deixar sua edição o mais polonesa possível. Ambas as Olgas são conterrâneas, assim como o material utilizado na composição. O papel das páginas é o Munken Print Cream, fabricado pela Arctic Paper, empresa com sede na Polônia!

Vale a pena ler? O veredito

Trata-se de um romance que navega entre alguns gêneros, como o policial. Dentro desse gênero, nem é dos melhores, já que o mistério pode ser desvendado pelo leitor desde bem antes do final.

Ao criticar a hipocrisia em diversas instâncias, a obra acaba sendo hipócrita também, uma vez que procura resolver um problema com o mesmo problema (mortes com mais mortes). É um caminho bastante radical, do qual discordo, motivo de eu não ter gostado do final e de sua moral questionável. A luta ecológica é de extrema importância e não vejo Sobre os ossos dos mortos como uma grande contribuição à causa.

Leitura rápida, com certas passagens enroladas discutindo a respeito da astrologia. Quem gosta de Blake encontrará referências (uma no título, aliás). Existem momentos interessantes, engraçados, só que, no geral, pouco me agradou. Faltou profundidade.

Para uma vencedora do Nobel, o livro me decepcionou. Às vezes me pergunto: a Academia Sueca decide quem será laureado por razões políticas, eurocentrismo, ou devido à qualidade literária? Pode ser que os outros livros de Olga Tokarczuk sejam melhores, contudo, entendo que várias escritoras brasileiras merecem muito mais o prêmio. Até o momento, o Brasil segue sem os louros, infelizmente.

Nota (de 0 a 5): 2,5

Capa do livro Sobre os Ossos dos Mortos: animais coloridos, ossos e troncos sobre chão coberto de neve; ilustração de Talita Hoffmann
O que você achou da capa? Eu gostei bastante!

Ficha técnica

Título: Sobre os ossos dos mortos
Autora: Olga Tokarczuk
Tradução: Olga Bagińska-Shinzato
Editora: Todavia
Ano: 2019
Páginas: 256
ISBN-13: 978-65-80309-69-6
Encontre esse livro na Amazon: https://amzn.to/3mYrp3K

Gostou desta resenha de Sobre os ossos dos mortos? Já conhecia a autora, vencedora do Nobel de Literatura de 2018? Deixe sua opinião nos comentários. Aproveite e siga o blog nas redes sociais e dê um gostei!

Agradeço sua visita,
Abraços.


Licença Creative Commons
Este obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.

Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

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