Como conhecemos as pessoas?

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Imagem por kabaldesch0 (editado). Publicada sob Licença (CC0 1.0), Disponível em: Pixabay.

O que é conhecer alguém? Como esse processo acontece?

“Não vemos as pessoas como elas são, mas sim como nós somos”.

Em nossa interação com as outras pessoas, registramos o que acontece de forma mais ou menos distorcida, em função de nossos interesses, vieses, atitudes e formas de fazer atribuições.

Dificilmente não temos uma teoria implícita de personalidade, da qual pessoas com determinados traços seguirão os comportamentos já esperados. A crença nesse tipo de teoria facilita nosso entendimento sobre as intenções e comportamentos das pessoas. Às vezes possuímos teorias sobre determinados grupos. É o que os psicólogos sociais chamam de estereótipos e que consistem na atribuição de determinados traços aos membros de um certo grupo.

Esses estereótipos possuem algo de verdadeiro, porém podem ser totalmente falsos em um caso particular. É comum dizer que todo político é corrupto, mas há exceções, alguns políticos são honestos, pois esses estereótipos decorrem da generalização de observações individuais dos indivíduos desse grupo. Um estereótipo integrado por aspectos puramente negativos, como o do exemplo acima, é chamado de preconceito.

Esquemas e a percepção

Rotulamos as pessoas (esquemas pessoais); grupos (estereótipos e preconceitos); funções (esquema de papéis, como ocorre quando esperamos determinados comportamentos de professores, atletas, funcionários públicos, etc.).

Existem também os auto-esquemas ou esquemas dirigidos a nosso próprio eu e que funcionam da mesma forma que os demais esquemas. Temos sobre nós mesmos um conjunto de crenças acerca de como somos, que também podem ou não serem verdadeiras.

A linguagem do corpo tem sua função no processo de interação social. Na tentativa de entender o outro, nos baseamos em certas expressões faciais e gestos corporais que são quase inequívocos (o riso, o choro, o franzir a testa, o arregalar dos olhos, o abrir a boca que, mais ou menos universalmente, indicam alegria, tristeza, preocupação, espanto e surpresa, respectivamente).

O processo percepção social envolve várias etapas. Além de nossos sentidos, ele também envolve as condições ambientais, pois elas afetam nossos sentidos no momento da percepção de algum comportamento. Depois que nossos sentidos registram o comportamento da outra pessoa, inicia-se então a ação de nossos interesses, preconceitos, estereótipos (como vimos acima), valores, atitudes, e ainda a ação de outros esquemas sociais, tudo conduzindo à formação de um conceito onde se harmonizem as características do estímulo (o comportamento de outra pessoa) e toda essa bagagem psicológica que filtra este estímulo antes que ele se torne um conceito em nossa atividade perceptiva.

O que dizem os estudos?

Nos últimos anos, os psicólogos sociais têm dedicado atenção especial à forma pela qual fazemos atribuições. Fritz Heider, um dos maiores psicólogos sociais de todos os tempos, mostrou que tendemos a atribuir nossas ações e a dos outros a fatores internos (nossas próprias disposições e intenções) e a fatores externos (pressão social, características da situação, etc.). Quando julgamos as ações de outrem, tendemos a descartar possíveis fatores externos capazes de produzir o comportamento observado e focalizamos apenas as disposições internas da pessoa que as emitiu, isso é chamado de erro fundamental de atribuição. Se uma pessoa faz algo de errado a culpa é dela baseadas em fatores internos, e quando temos que justificar um erro nosso, a culpa é de algum fator externo que nos atrapalhou. Também somos influenciados pela tendenciosidade auto-servidora, que consiste numa tendência de fazer atribuições que nos protejam e que nos beneficiem. Quando fazemos algo errado a culpa é de algum fator externo, e quando temos êxito, foi apenas por fatores internos. Entretanto, quando há interesses a serem levados em conta, eles se sobrepõem a essas tendências.

Alguns psicólogos sociais, como E. Jones e K. Davis, têm procurado encontrar fatores que facilitem a entender a relação entre os atos e as disposições das pessoas. Segundo eles, três fatores fazem com que nos sintamos mais confiantes ao inferirmos as disposições subjacentes a um comportamento. Esses fatores são:

  • liberdade na emissão do comportamento, isto é, nada indica que a pessoa tenha sido forçada a comportar-se da maneira que o fez;
  • o comportamento não é uma consequência comum a várias causas, ou seja, ele é típico de uma determinada disposição interna da pessoa;
  • o comportamento não é muito desejado socialmente, ou seja, não segue necessariamente uma norma social que o preserve numa determinada situação.

Alguns teóricos como, Harold H. Kelley, dizem que, quando procuramos as razões para um comportamento, prestamos atenção em três fatores em especial: consenso, ou seja, a medida em que outras pessoas reagem de forma idêntica à da pessoa cujo comportamento estamos considerando frente ao mesmo estímulo ou evento; consistência, isto é, a medida em que a pessoa reage da mesma forma ao mesmo estímulo ou eventos em outras ocasiões; e especificidade, ou seja, a medida em que a pessoa reage da mesma forma ou não a outros estímulos diferentes.

Conforme demonstrado por Bernard Weiner, características causais determinam os afetos e os comportamentos que se seguirão às atribuições feitas. Se fracassarmos por falta de esforço (uma causa interna, instável e controlável), sentiremos remorso, culpa e vergonha e procuraremos nos esforçar mais no futuro; se fracassarmos por falta de aptidão (uma causa interna, estável e incontrolável), sentiremos tristeza e decepção mas não remorso ou culpa, e provavelmente seremos pessimistas quanto à possibilidade de não fracassar no futuro.

Para finalizar

O que importa para que se entenda o comportamento das pessoas em interação com outras é como elas percebem os fenômenos, independentemente de estas percepções corresponderem ou não à realidade.

Essas tendenciosidades são sobrepostas por nossos interesses quando estes estão em jogo. Se nosso interesse é denegrir a imagem de alguém, ao invés de razões nas tendências internas, buscaremos razões externas para destruir a imagem da pessoa.

Alan Martins

Referência bibliográfica

RODRIGUES, Aroldo. Como conhecemos as pessoas com as quais interagimos? In: ____________. Psicologia social para principiantes: Estudo da interação humana. Rio de Janeiro: Vozes, 1992. Cap. 2. p. 17-24.


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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

7 pensamentos

  1. Maravilha de texto Alan, sua abordagem sobre o tema foi simples mais esclarecedora. Uma coisa que tenho contigo, conhecer outra pessoa é um pouco complicado e às vezes confuso, porque na maioria das vezes, nem nós mesmo nos conhecemos. Obrigada pelo texto.

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    1. É uma ideia bem interessante essa, entre as tantas que a Psicologia apresenta sobre o assunto. O que é de mais verdadeiro é a questão de colocarmos algo de nós em outra pessoa, pois, queira ou não, somos carregados de certos pré-conceitos. Fico feliz que tenha gostado do texto. 🙂
      Abraço!

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  2. Então vc acredita nessa ideia de que o comportamento é metamente uma disposição interna do sujeito e nada tem a ver com o social?
    Até os comportamentalistas deixaram de seguir esse antigo postulado, e isso desde a década de 1950…
    Além disso, o Aroldo Rodrigues é um autor bastante datado, com ideias que remontam a uma psicologia mecanicista e positivista.

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    1. Olá.
      Não acredito que o comportamento seja uma disposição apenas interna. Pretendo ser um psicólogo comportamental, então, certamente, também considero que um comportamento seja influenciado por diversos fatores ambientais, seguindo a ideia do behaviorismo.
      Porém, sobre a psicologia social, por mais que o texto diga sobre essa questão interna, ele também considerada as relações (não desconsidera). Uma pessoa sozinha não seria ninguém, pois apenas se faz sujeito em relação com o outro.
      O texto do Aroldo foi um texto estudado no meu segundo ano de faculdade, na matéria de Psicologia Social, e achei interessante postar essa ideia por aqui. A psicologia social não se resume apenas a esse autor. E seria difícil falar de psicologia social sem o “social”, levando-se em conta apenas questões internas.
      Obrigado pela visita.
      Abraço.

      *Gostei do nick 😄
      Contato paranormal! 👻

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