Minhas Leituras #27: O Sol é para todos – Harper Lee

o_sol_para_todos_destaque

“Temas polêmicos abordados de maneira descomplicada”

Título: O Sol é para todos
Autor: Harper Lee
Editora: José Olympio
Ano: 2015
Páginas: 364
Tradução: Beatriz Horta
Compre o livro na Amazon: https://amzn.to/2uNdCVI

“Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela”. (LEE, Harper. O Sol é para todos. José Olympio, 2015, p. 43)

Poucos livros conseguem descrever um momento histórico de maneira tão precisa. Harper Lee conseguiu. ‘O Sol é para todos’ consegue transmitir de maneira muito clara como era a sociedade do Sul dos Estados Unidos na década de 1930. Racismo, conservadorismo, coerção social, tudo está presente nesse livro. E melhor de tudo: é uma prosa gostosa e muito fácil de ler. Uma obra que aborda um tema pesado de maneira inteligente e interessante. Que tal conhecer um pouco mais sobre essa autora e seu livro, considerado um dos melhores romances de seu país?

Filho único

Harper Lee nasceu no Alabama, mesmo Estado onde o romance se passa. ‘O Sol é para todos’ foi o único livro que escreveu. Publicado em 1960, nos EUA, fez enorme sucesso, vendeu muito e recebeu boas críticas. Tudo isso resultou num Prêmio Pulitzer, em 1961, o prêmio mais importante da literatura estadunidense. Hoje é considerado um clássico e vende mais de um milhão de cópias todos os anos (em língua inglesa).

A autora não publicou mais nada após o sucesso de seu primeiro livro. Lee era uma mulher reclusa, não gostava dos holofotes da fama. Em 2015, um ano antes de sua morte, ‘Go Set a Watchman’ foi publicado. Não pode ser considerado um segundo romance de sua autoria, já que foi confirmado que esse livro se trata de um rascunho de ‘O Sol é para todos’.

O personagem Dill é baseado em seu amigo de infância, o grande autor Truman Capote. Os dois mantiveram a amizade durante a vida adulta, Lee foi uma das pessoas que ajudaram Capote em sua pesquisa para escrever ‘A sangue frio’, um dos marcos do jornalismo literário. Essa amizade enfraqueceu após Lee receber o Prêmio Pulitzer e Capote não. Ele nutria uma grande esperança de que levaria o prêmio em 1967, com seu livro citado acima, porém falhou. Não é exagero dizer que ele invejava Lee.

O filho único dessa autora demonstra sua coragem em abordar um tema polêmico, num período de grande tensão social em seu país. Há quem diga que ela não escreveu esse livro, por ter sido um sucesso e ela não ter escrito mais nada. Bobeira. Porém, o fato de não ter escrito mais nada é uma lástima. Uma grande autora, que, com apenas um livro, disse mais do que muitos autores que já escreveram uma biblioteca inteira.

“Coragem é fazer uma coisa mesmo estando derrotado antes mesmo de começar — prosseguiu Atticus. — E mesmo assim ir até o fim, apesar de tudo. Você raramente vai vencer, mas às vezes vai conseguir”. p. 143

Anos conturbados

A década de 1960, nos EUA, foi marcada por vários movimentos da população negra, em busca de seus direitos civis, o que foi alcançado em 1968. Até então, a segregação racial era explícita. Havia lugares separados para gente branca e gente negra. A violência era extrema. Essa situação foi construída ao longo das décadas, desde a época da escravidão.

O livro aborda diversos temas sociais, porém o racismo é o foco principal. Quem narra o livro é a protagonista Scout (Jean Louise Finch), uma garotinha de seis anos de idade. A narrativa percorre três anos de sua infância, ao lado de seu irmão Jem, seu amigo Dill e de seu pai, o advogado Atticus.

As lentes da infância de Scout deixam a prosa um pouco inocente. A cidade onde vive fica no Sul dos EUA, a região mais racista do país. É comum a população branca tratar os negros como inferiores. É comum que brancos e negros não frequentem o mesmo ambiente. Essa ideia está na sociedade e é absorvida pela protagonista, porém ela começa a perceber que isso não está correto e passa a se questionar.

Seu pai é um homem diferente da maioria. Ele não faz distinção pela cor da pele, acredita que todos são iguais e devem possuir os mesmos direitos, sem privilégios. Ele sofre por isso ao ser o advogado de defesa de um negro acusado de estupro.

Scout vem de uma família tradicional e próspera. Sua tia quer que ela siga essa tradição e se torne uma dama, como todas as mulheres deveriam ser. Mas ela não é assim, ela gosta de brincar, correr por aí, ler, não gosta de usar vestidos e ser cheia de frescuras.

Muitos na cidade são pobres. A história se passa entre 1930-1933, a época da Grande Depressão, que afetou demais os trabalhadores rurais. Ao longo do livro, vemos os problemas enfrentados por pessoas de baixa renda e pouco instruídas. Cada família possuía uma característica própria. São ideias que existem ainda hoje, do tipo: “Se você é pobre, não vai ser ninguém na vida, não pode estudar e prosperar”. Paradigmas ainda a serem quebrados.

Todo elogio que esse romance recebe é merecido. A análise social da autora foi perfeita, nos fazendo refletir sobre todos esses temas, percebendo como não nos colocamos no lugar dos outros para pensar.

“[Chorar] Por causa do inferno pelo qual algumas pessoas fazem as outras passarem sem nem pensar. Por causa do inferno pelo qual os brancos fazem os negros passarem, sem nem sequer pararem para pensar que eles também são gente”. p. 251

Falhas de impressão

A tradução de Beatriz Horta está ótima. Tudo é compreensível, não há frases estranhas. A linguagem ficou clara, fiel ao original. O pecado ficou por conta da editora, que errou na hora da revisão. A José Olympio é parte do Grupo Editorial Record. Os livros desse grupo perderam qualidade nos últimos anos. Há muitas falhas na impressão, algumas folhas possuem uma tinta fraca, outras, forte demais. Foi comum encontrar palavras com letras apagadas durante a leitura, ou travessões faltando.

O papel utilizado é descrito como off-white pela editora. Não é um papel dos melhores. Fonte de bom tamanho. A capa é bonita e possui um acabamento em soft touch, que dá uma textura aveludada. Parece que a capa é emborrachada. Apesar de o toque ficar mesmo macio, esse tipo de acabamento deixa muitas marcas de manuseio. Se a mão suar, vai deixar uma marca que não sai.

Esses pontos negativos não comprometem a leitura. A crítica fica pelo fato de ser um livro que não é barato e possuir má qualidade. O material utilizado em sua composição poderia ser melhor e a editora necessita de mais capricho em revisões e na impressão.

“Coragem é fazer uma coisa mesmo estando derrotado antes mesmo de começar — prosseguiu Atticus. — E mesmo assim ir até o fim, apesar de tudo. Você raramente vai vencer, mas às vezes vai conseguir”. p. 143

Um livro para a vida

Temos aqui um livro que deve estar em todas aquelas lista de “Livros que você deve ler antes de morrer”. Em 2006, um grupo de bibliotecárias fez um ranking com esse tema. ‘O Sol é para todos’ ficou em segundo lugar, atrás da ‘Bíblia’. Esse sucesso permaneceu na adaptação para o cinema, de 1962, que venceu o Oscar.

Brasil e Estados Unidos possuem uma história um pouco semelhante com a escravidão e o racismo. Por isso o livro não causa estranheza, ao contrário, é muito próximo da realidade brasileira. Os acontecimentos da história poderiam estar ocorrendo aqui, sem qualquer problema.

O racismo ocorre no mundo todo, tornando essa obra universal. Os temas abordados por Lee estão presentes no mundo todo. Um convite à reflexão. Tentamos ser justos, mas fazemos mal ao nosso semelhante. Queremos a igualdade, mas segregamos ao mesmo tempo. Ficamos iguais a Scout nessa situação: como uma criança que não entende muita coisa do que se passa ao seu redor. Se tivéssemos sua inocência, o mundo seria mais simples.

“Se só existe um tipo de gente, por que as pessoas não se entendem? Se são todos iguais, por que se esforçam para desprezar uns aos outros?” p. 283

Minha nota (de 0 a 5): 5 (o livro merece, a editora, não)

Alan Martins

“Tem gente que… se preocupa tanto com o outro mundo que não sabe viver nesse aqui, basta olhar a rua e ver o resultado”. p. 62

o_sol_para_todos_meu
O título, em inglês, é uma metáfora sobre tirar uma vida inocente.

Parceiro
Livros mais vendidos Amazon
Clique e encontre diversos livros em promoção!

Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.

Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

26 pensamentos

      1. Meu Caro, nem é questão de força. Mas meu trabalho me coloca diante de páginas e mais páginas diariamente. Estou a editar quatro livros no momento. Acabo dando preferência aos meus autores prediletos na hora de ler para dar um descanso a mente. rs

        Curtido por 1 pessoa

  1. É,o filme foi baseado no livro,de Harper Lee.Se vc quiser,veja mais detalhes sobre o filme no Wikipedia.Se quiser,veja onde pode conseguir o filme,para assistir.E eu,o livro.Vc falou que este seria um dos livros para ler antes de morrer e eu digo que o filme é um dos que merecem ser vistos antes de morrer.Pelo jeito,o filme é muito igual ao livro,então a emoção com os dois é grande.Um abraço!📚📺

    Curtido por 2 pessoas

      1. Bem,eu sou ao contrário,não li o livro mas,pelo que vc contou,é bem parecido com o filme.Já faz tempo,acho que não vi o filme todo,não.Se não me engano,desculpe se estiver errada,o negro, que o advogado defendia,morreu.A menina,se não me engano,tinha um irmão,criança também,só que mais velho,um pouco.Tentei lembrar do artista que interpretava o advogado,mas não lembro o nome,me passou pela cabeça o Gregory Peck,mas não estou com certeza.Acho que vou procurar sobre o filme no Google,porque realmente não estou lembrando,já tem muito tempo.Eu sei que gostei,quando assisti.É uma pena que os canais de televisão

        Curtido por 2 pessoas

      2. Boas notícias,Alan!Acabei de procurar no Google e o Wikipedia me confirmou,o ator que fez o papel do advogado foi o Gregory Peck,sim.A história era contada sob a ótica de duas crianças,que eram os filhos do advogado.O filme foi de 1962 e ganhou vários Oscars e também teve indicações.Um dos Oscars que o filme ganhou foi de melhor roteiro adaptado.

        Curtido por 2 pessoas

  2. “Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela”. 

    Engraçado como você prende a atenção com essas frases do início do texto! Kkkk
    Com certeza está na minha lista de livros!

    Curtido por 2 pessoas

  3. Hum…Achei interessante o tema, que é mais atual do que gostaríamos, ser abordado através da percepção de uma criança. Depois da tua resenha, esse vai para minha lista de próximas leituras, com certeza! Abraço! Fernanda

    Curtido por 1 pessoa

Deixe um comentário