Minhas Leituras #72: Lolita – Vladimir Nabokov

Livro Lolita capa Alfaguara

“Perversão, amor e polêmica”

Título: Lolita
Autor: Vladimir Nabokov
Editora: Alfaguara
Ano: 2011
Páginas: 392
Tradução: Sergio Flaksman
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“Lolita, luz da minha vida, fogo da minha carne. Minha, alma, meu pecado” (NABOKOV, Vladimir. Lolita. Alfaguara, 2011, p. 13)

Publicado pela primeira vez em 1955, ‘Lolita’ causou polêmica antes mesmo de sua publicação, por narrar a paixão doentia de um homem adulto por uma menina pré-adolescente — o que gerou grande receio em diversos editores.

Um russo na América

Vladimir Nabokov nasceu na Rússia, em 1899. Membro de uma abastada família, deixou a terra natal após a Revolução de Fevereiro, em 1917. Viveu em alguns países europeus até mudar-se para os Estados Unidos, fugindo da Segunda Guerra Mundial.

Já nos EUA, passou a ministrar diversas aulas e palestras sobre Literatura em importantes universidades, dando continuidade, também, a sua carreira de escritor, iniciada na Europa. Os primeiros livros de Nabokov foram escritos em russo, mas suas obras mais conhecidas, compostas em solo estadunidense, foram escritas em inglês, um novo marco e um novo desafio em sua carreira.

Muitos críticos literários e especialistas da área afirmam que Nabokov foi um dos mais importantes autores do século XX. Seu estilo descritivo é enaltecido por dar vida aos seus romances, com características, cheiros e detalhes “saltando do papel”. Autores como Don DeLillo, Salman Rushdie e Thomas Pynchon sempre citam Nabokov como uma grande influência.

“O espiritual e o físico tinham-se mesclado em nós com uma perfeição que não há como explicar para os jovens de hoje, tão crus e prosaicos com seus cérebros padronizados.” p. 18

Tema “cabeludo”

Chocando editores e leitores, ‘Lolita’ foi (e continua sendo) um livro polêmico por abordar um tema bastante controverso: a pedofilia. Todas as características apresentadas pelo protagonista, Humbert Humbert, compõem um autêntico quadro nosológico de pedofilia, um tipo de transtorno sexual onde o impulso sexual do sujeito está voltado a crianças pré-púberes.

Todavia, a polêmica não teve origem apenas no tema abordado pelo livro, mas também, e principalmente, na forte paixão que o protagonista sente pela menina Dolores Haze, de doze anos de idade, a Lolita do título. E se fosse só isso, até estaria tudo bem, porém a perversão do protagonista não tem limites. A escrita nunca é explicita, pelo contrário, o protagonista (que é o narrador) é muito culto e romântico, utilizando palavras bonitas, escrevendo uma verdadeira história de amor para narrar sua perversão, além de um grande cinismo. Nabokov gostava muita da literatura francesa, e ele transferiu um pouco dos romances clássicos franceses para ‘Lolita’, principalmente o estilo de escrita (do qual não sou grande fã).

Para a psicanálise, a pedofilia pode ser compreendida como uma perversão. Diferente da estrutura neurótica, onde os desejos mais obscuros são recalcados ou apenas fantasiados, na estrutura perversa todos esses desejos são conscientes e atuados. Apesar de Nabokov não ter apreciado muito a psicanálise de Freud, muitos interpretam sua obra pelo viés psicanalítico.

Numa época onde a sexualidade era um grande tabu (como se hoje ainda não fosse), esse tipo de livro seria recebido, por muitos, de forma negativa. Diversos editores ficaram com medo de publicá-lo, até temiam a prisão. Se falar de sexualidade já era complicado, imagine então falar sobre sexualidade envolvendo crianças. Nabokov, assim como Freud, causou grande alvoroço por juntar esses dois temas.

“E o mais singular é que ela, essa Lolita, a minha Lolita, individualizou a velha luxúria do escritor, de modo que por cima e acima de tudo está — Lolita.” p. 54

Protagonista de pouca credibilidade

HH tem tanta credibilidade quanto a grande mídia brasileira. É bom você não acreditar muito naquilo que ele diz, pois ele pode estar te enganando, afinal ele mesmo diz, em certa parte do livro, que adora enganar psiquiatras, fazendo-os diagnosticá-lo com os mais variados transtornos mentais já classificados. Essa característica de um protagonista de pouca credibilidade também aparece em ‘Sempre vivemos no castelo’, livro que já resenhei.

Sempre vemos Lolita apenas como HH a vê, por meio de suas descrições, jamais o livro passa para o ponto de vista da garota. Isso dificulta ainda mais a credibilidade do autor, que, por possuir um transtorno, enxerga tudo de um modo diferente. Sendo assim, ele pode estar narrando um fato terrível com palavras bonitas, causando uma impressão totalmente oposta ao que realmente está ocorrendo na cena.

Toda essa característica descritiva, que os críticos elogiam em Nabokov, deixam a leitura de ‘Lolita’ um pouco monótona e cansativa. A todo momento ele tenta mostrar a perversão do protagonista, o que cansa ainda mais. O livro poderia ser um pouco mais dinâmico, com menos páginas, o que faria a leitura fluir melhor. E toda essa descrição não deixa espaço para diálogos, que são bem escassos.

Se você tem um pensamento mais conservador, não é tão mente aberta, talvez sentirá alguma dificuldade ao ler esse livro, pois o tema abordado pode chocar muita gente. Também não tente elaborar interpretações mirabolantes. O autor odiava alegorias, até por isso ele não gostava muito das interpretações de Freud. HH sempre dedica sua história a um júri, dando a impressão de que o leitor é uma espécie de juiz. ‘Lolita’ não foi um livro escrito com enormes pretensões, entretanto, por algum motivo (ou vários), acabou se tornando a obra mais conhecida de seu autor e um marco da literatura do século XX.

“Poetas nunca matam”. p. 104

Sobre a edição

Edição comum. Brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Soft, boa diagramação. A capa segue o padrão adotado pela Alfaguara, exibindo uma bela arte, simples e moderna, fazendo alusão ao lenço que Lolita está usando quando HH a vê pela primeira vez (um lenço branco de bolinhas pretas).

Essa edição da Alfaguara apresenta a tradução mais recente (existem outras duas traduções além desta), feita por Sergio Flaksman, experiente tradutor que já verteu para a língua portuguesa diversos autores de renome, como o próprio Nabokov, Truman Capote e Jonathan Franzen. Como extra, há um prefácio, um texto onde o autor fala um pouco sobre o processo de criação de ‘Lolita’ e um posfácio escrito pelo novelista e ensaísta Martin Amis.

“[…] quantas travessuras, quantas contorções de luxúria, vocês poderiam ver das suas impecáveis autoestradas se os motéis perdessem seus pigmentos de uma hora para outra, tornando-se transparentes como caixas de vidro!” p. 137

Conclusão

Mesmo abordando um tema polêmico, essa não é uma história tão pesada assim. Claro, fatos horríveis são narrados, mas até que com certa sensatez, com o cuidado de não ser explícito. Humbert Humbert é um dos personagens mais perversos de toda Literatura, seus desejos são sujos e suas palavras distorcidas, é um sujeito de pouca credibilidade; não acredite cegamente naquilo que ele diz! Para ele, Lolita o faz sofrer, renegando seu amor; porém ela é apenas uma garota de doze anos, que é abusada por um homem de meia-idade. Vale ressaltar que a perversão de HH não se resume apenas aos seus desejos sexuais, ele também é um grande cínico e um narcisista de primeira. Apesar de Nabokov ter odiado alegorias, o leitor ficará tentado a interpretar o livro de diversas formas. Prepare-se para encarar um tema controverso, salpicado de humor, amor e perversão, e esteja preparado para uma escrita altamente descritiva, com poucos diálogos. Conheça um dos mais importantes livros do século passado.

“É estranho como o sentido do tato, tão infinitamente menos precioso para os homens que a visão, em momentos críticos se transforme em nosso principal, se não único, canal de comunicação com a realidade.” p 356

Minha nota (de 0 a 5): 3,5

Alan Martins

Compreenda um pouco daquilo que a psicanálise tem a dizer a respeito da pedofilia com a leitura desse interessante artigo: https://www.mastereditora.com.br/

Livro Lolita Nabokov Edição Alfaguara
Uma capa simples e, ao mesmo tempo, muito criativa e bonita.

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

6 pensamentos

    1. Tem partes do livro que são desanimadoras mesmo. Você vê aquele monte de palavras, parágrafos gigantes, tudo descrevendo cenas e pensamentos, nenhuma ação real, nenhum diálogo; é preciso esforço para chegar ao final! Tem essa questão da pedofilia, que não é o tema mais gostoso de se ler. Na minha opinião, o livro tem mais fama do que valor real.

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