Minhas Leituras #19: As aventuras de Huckleberry Finn – Mark Twain

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“Um livro que causou, e ainda causa polêmica”

Título: As aventuras de Huckleberry Finn
Autor: Mark Twain
Editora: L&PM Pocket
Ano: 2011
Páginas: 320
Tradução: Rosaura Eichenberg
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É assim com algumas pessoas. Elas pegam birra com alguma coisa mesmo sem saber nada sobre a coisa. (TWAIN, Mark. As aventuras de Huckleberry Finn. L&PM Pocket, 2011, p. 12)

‘As aventuras de Huckleberry Finn’ é considerada a obra-prima de Mark Twain, um dos grandes nomes da literatura estadunidense e um dos fundadores das Letras daquele país. É um livro citado por muitos autores, lido e estudado até hoje. Com uma narrativa rápida, o autor escreve sobre os EUA dos meados do século XIX, antes da guerra civil, e sobre a sociedade escravocrata. Por tratar sobre esse tema, é uma obra muito polêmica, tanto agora, como na época em que foi publicada. Conheça um pouco sobre esse autor e sobre um livro considerado um clássico de seu país.

Samuel Langhorne Clemens

Esse é o verdadeiro nome do autor, Mark Twain é o seu pseudônimo. Twain trabalhou como piloto de navio no rio Mississippi, região onde nasceu (nasceu no Missouri). Seu pseudônimo deriva desse emprego como piloto, sendo Mark Twain uma forma de expressar a profundidade da água. Além disso, trabalhou na impressão de jornais e também foi humorista. Porém se destacou como escritor, onde conseguiu sucesso, sendo considerados por muitos como “o pai da Literatura dos Estados Unidos”. Stephen King sempre cita ‘As aventuras de Huckleberry Finn’ como um de seus livros favoritos e já batizou personagens com os nomes de personagens de Twain.

Mark Twain viveu durante a época em que a escravidão nos EUA era permitida, passando pela Guerra Civil (1861-1865) e viu a abolição da escravidão entrar em vigor. Ele era um apoiador da abolição. Seus livros refletem bem esse período, mostrando como os negros eram tratados e como a sociedade lidava com a escravidão. Os conhecimentos adquiridos como como piloto de barcos influenciaram muito suas obras, sendo o rio Mississippi sempre presente e com personagens navegando por suas águas, além de descrições sobre navios e navegação. Ele mostra a importância do rio para a sociedade que vivia às suas margens e para a nação.

“Os seres humanos podem ser terrivelmente cruéis uns com os outros.” p. 255

A história de Huck Finn

O livro foi escrito como uma continuação para ‘As Aventuras de Tom Sawyer’, um outro grande sucesso do autor. E de fato, é uma história que dá sequência a esse livro. Porém seu grande sucesso o tornou independente, as pessoas cultuam Huckleberry Finn sem fazer alguma ligação com o livro anterior.

A história de Huck pode ser lida de forma independente, é possível compreender o enredo sem ter conhecimento das aventuras de Tom Sawyer. O livro é narrado em primeira pessoa, pelo próprio Huck Finn. Por isso nota-se alguns erros gramaticais e uma visão mais inocente sobre o mundo, pois é uma história contada sob as lentes de um menino por volta dos 13 ou 14 anos de idade. Diferente de Tom, Huck descreve o mundo de forma mais objetiva, descrevendo o que seus olhos lhe mostram, ao contrário de seu amigo, que oferece uma visão mais fantasiosa e imaginativa sobre o mundo.

Huck narra como fugiu da Srta. Watson e de seu pai, um bêbado que o violentava fisicamente e se aproveitava da fortuna do menino. Conseguiu fugir dos dois navegando pelo rio Mississippi em uma canoa. Nessa fuga encontra Jim, um negro que era escravo na residência da Srta. Watson. Como eles já se conheciam e possuíam o mesmo objetivo, que era a liberdade, se unem e fogem juntos. Nessa aventura, os dois enfrentarão adversidades, conhecerão pessoas boas e ruins, tudo narrado de forma divertida. Huck é um menino muito esperto e utiliza da mentira para se safar de problemas ou para conseguir o que quer. Jim é um homem muito supersticioso e de pouca instrução, porém considera Huck um grande amigo e faz tudo por ele. A história é uma reviravolta de problemas, onde eles sempre dão um jeito de resolvê-los.

“Rezar por mim! Achei que, se me conhecesse, ela ia se encarregar de outra tarefa mais apropriada pro seu tamanho. Mas aposto que rezou, mesmo assim — ela era desse jeito. Tinha coragem de rezar por Judas se lhe desse na telha […]” p. 213

Um livro polêmico

Por abordar o tema da escravidão e descrever com precisão a sociedade sulista, às margens do Mississippi, esta obra foi, e ainda é, tema para grandes debates. Há pessoas que dizem que o livro é racista. Um absurdo, pois o próprio autor foi um abolicionista e não há nenhum momento no livro uma frase que incentive ou que apoie a escravidão.

A palavra nigger (que pode ser traduzida como ‘negro’), que era usada na época para se referenciar aos escravos, é um alvo dessas críticas. Utilizá-la, hoje, é algo impensável, pela carga de ódio que ela carrega. É um termo muito pejorativo para descrever um negro atualmente. Porém, naquela época, era a forma comum, a mais utilizada, não havia essa carga de ódio embutida. Isso levou a editora NewSouth Books, em 2011, a publicar uma edição de ‘The Adventures of Huckleberry Finn’ onde a palavra nigger foi substituída por slave (escravo). Isso não faz sentido, pois a narrativa é um retrato da sociedade dos EUA no século XIX e isso muda a escrita do autor, um crime à sua obra. Além de ser uma forma ineficaz de se redimir das atrocidades cometidas aos negros no passado.

Mark Twain não utilizava a palavra nigger, considerada pejorativa pelos intelectuais, porém suas personagens são pouco instruídas, pessoas simples, do campo. Na época em que foi publicado, as mentiras contadas por Huck também foram alvos de críticas, por se tratar de um mentiroso que sempre consegue se dar bem.

Não existe nenhum momento de violência à um negro durante toda a narrativa. O tom é de respeito para com os escravos, que são “respeitados” e “bem tratados” (essas palavras não fazem sentido, já que são escravos, porém não há o ódio contra eles, é isso que deve ser frisado). Há uma pessoa ou outra que falam mal sobre os negros, porém isso é um reflexo da sociedade escravocrata.

“As pessoas vão me chamar de abolicionista sórdido e vão me desprezar por ficar calado — mas não faz mal. Não vou contar de todo jeito não vou voltar pra lá.” p. 55

A edição

O livro é narrado em uma linguagem vulgar. Mark Twain quis representar a maneira de falar das pessoas que viviam próximas ao Mississippi e o inglês distorcido dos escravos. Isso representou um grande desafio para a tradutora Rosaura Eichenberg que, apesar de possuir um vasto currículo de traduções, apontou as dificuldades em se traduzir ‘As aventuras de Huckleberry Finn’ para o português em uma nota no início do livro. Ela adaptou a linguagem para os termos mais próximos, pois no Brasil também há uma linguagem vulgar, uma linguagem considerada “caipira”, que era muito utilizada no século XIX. As falas de Jim são muito carregadas, cheia de erros. Essa foi a forma do autor apresentar a realidade, tornar a história mais real. E isso também deixa o livro bastante engraçado, com expressões que arrancam risadas do leitor. O próprio autor escreveu uma nota, antes do início da história, dizendo que a narrativa possui um dialeto bem característico da região onde se passa.

Fisicamente é uma boa edição de bolso. Como a L&PM é uma editora focada em livros pocket, possuindo o maior acervo desse segmento do país, nãos se pode esperar algo diferente. O tamanho do livro é reduzido, com capa mole e sem orelhas, papel branco, Offset, para o miolo e com diagramação também reduzida. As letras pequenas no papel branco podem incomodar um pouco. Porém, a qualidade do material é boa, assim como a do conteúdo, o principal. A tradução está muito boa e a tradutora mostrou seu esforço para adaptar a linguagem da melhor maneira para o português do Brasil, assim como o trabalho da revisão. Sendo uma edição de bolso, o preço também é reduzido, sendo mais baratos do que livros de outros formados, geralmente.

“Ora, tem uma vantage num sinal assim, porque tudo tá longe no futuro. Ocê vê, talveiz ocê vai tê que sê pobre por muito tempo, e então ocê pode ficá desanimado e si matá, se num sabe pelo sinal que vai sê rico mais tarde.” p. 58

Conclusão

Um livro engraçado e que reflete um período da história dos Estados Unidos, mostrando um pouco de como era a sociedade escravocrata. Como isso também ocorreu no Brasil (infelizmente), é possível fazer uma relação com o que ocorreu por aqui. Huck é um menino que não gosta de ser ‘civilizado’, usar roupas limpas e engomadas, por isso decide fugir de tudo, até de seu pai, em busca da liberdade. Isso é um reflexo da escravidão e de Jim, um escravo que também busca a liberdade. Os dois conseguem ver o lado bom das coisas, mesmo das mais simples e fazem uma viagem pelo rio Mississippi, de canoa, parecer algo lindo.

Vale a pena a leitura, por se tratar de um clássico, marco da literatura de um país. O livro é dividido em vários capítulos curtos, reflexo de sua publicação original ter sido de maneira serial, como era comum naquele período. Uma narrativa inocente, sem maldades, divertida e com um final irônico e muito engraçado. Recomendado.

Minha nota (de 0 a 5): 4

Alan Martins

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Edição de bolso, bem pequena, quase do tamanho de uma caneta marca texto. A arte da capa é muito bonita.

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

10 pensamentos

  1. Sobre essa polêmica, li uma matéria a um tempo atrás que dizia que algumas associações americanas queriam proibir o livro ou retirá-lo do rol de grande obras americanas por conta dessa questão da palavra “nigger”. Isso é um absurdo e uma ignorância de pessoas que não entendem nada de cultura e de historicidade. Estou contigo quando fala que mudar a palavra altera todo o sentido.
    E você está de parabéns pela sua resenha.
    Abraço.

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    1. Muito obrigado pelo comentário. Um livro é um registro histórico de um tempo, se as pessoas falam de um jeito em um livro, é porque essa era a maneira comum de se falar. Hoje, os EUA censuram tanto a palavra ‘nigger’ ou ‘nigga’, que até em música isso fica proibido, ao menos ao vivo, na TV. Só ouvir a música ‘Starboy’ do The Weeknd com o Daft Punk. Em programas de TV, cantando ao vivo, ele substitui a palavra ‘nigga’, parte da letra, por uma outra, mais aceitável. Um palavra pode sim ferir, mas dependendo do contexto onde está inserida, e da intenção de seu uso.

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  2. Há muito o li – reler é necessário – e ao passar por teu texto me veio partes e claro a tão dolorosa escravatura. Nos dias de hoje ela permanece intacta apenas atenuam situações aqui e ali mas um olhar mais profundo revela que os métodos são outros e continuamos vivendo em retrocesso. Por óbvio que avançamos muito mas a dívida humana parece ser impagável do jeito como sociedade vivemos. Textos como o teu nos fazem respirar novos atrás. O meu abraço.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Muito obrigado pelas suas belas palavras. Fico contente em saber que consigo passar esses sentimentos através da escrita. O que você disse é verdade, a servidão, hoje, é apenas mascarada, com uma melhoria aqui e ali. E pior que existem governantes que querem retroceder, revogar direitos ganhos com muita luta. Com a mentalidade do empresário brasileiro, os direitos trabalhistas são mais do que necessário para que a escravidão não retorne com força total. Abraço.

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