Minhas Leituras #58: Não me abandone jamais – Kazuo Ishiguro

Capa do livro Não me abandone jamais

“Uma história de amor com pano de fundo sci-fi”

Título: Não me abandone jamais
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2015
Páginas: 344
Tradução: Beth Vieira
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“Certeza de que estão apaixonados? E como é que você sabe disso? Então acha que o amor é coisa assim tão simples?” (ISHIGURO, Kazuo. Não me abandone jamais. Companhia das Letras, 2015, p. 301)

Um dos livros mais aclamados do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2017, ‘Não me abandone jamais’ conta uma história triste, com uma alta carga emocional, que, inclusive, foi adaptada para o cinema em 2010.

Autor Nobel de 2017

Receber o Nobel de Literatura não marcou a primeira aparição do nome de Kazuo Ishiguro em grandes grandes premiações, pois desde 1989, quando recebeu o Man Booker Prize for Fiction com o livro ‘Os vestígios do dia’, ele é um autor recorrente nesse tipo de evento.

A Academia Sueca, responsável pelo Nobel, enalteceu a grande força emocional nas obras de Ishiguro. Após a leitura de ‘Não me abandone jamais’, meu primeiro contato com o autor, tenho que concordar com essa afirmação. No cenário atual, ele se mostra um escritor de ficção séria, algo que ficará mais raro com o passar do tempo. Este é um autor que escreve pela arte, pela literatura, não para defender ideias; seu compromisso é a literatura.

Seu estilo é sempre carregado de carga emocional, porém seus livros nunca parecem o mesmo, as temáticas e ambientações são muito distintas, com pinceladas de gêneros literários como a ficção científica, a fantasia e o romance policial. Autor versátil, capaz de modificar-se sem perder seu estilo próprio.

“Ela disse para o Roy que coisas como pintura, poesia, esse tipo de coisa, revelam como a gente é por dentro. Ela disse que elas revelam a alma.” p. 214

Pano de fundo Sci-fi

‘Não me abandone jamais’ é uma história triste, recheada de sentimentos e emoções, com personagens ingênuos que conseguem agradar o leitor.

Basicamente, temos uma história de amor e perdas. Entretanto, existe um pano de fundo, digno de uma grande obra de ficção científica, que dá à narrativa um certo mistério, algo que precisa ser revelado e que incita a continuidade da leitura. Mas é apenas um pano de fundo, pouco desenvolvido em detalhes (até porque esse não era o objetivo do autor). Seria errado dizer que este é um livro de ficção científica.

Contar muitos detalhes estragaria a experiência de quem ainda não conhece a história. O que posso dizer é que há muito por trás da realidade vivenciada pelos protagonistas Kathy, Tommy e Ruth. Eles nunca são esclarecidos totalmente, vivendo e crescendo no internato Hailsham. Qual o motivo de estarem ali? O que o futuro reserva? São respostas desvendadas ao longo da narrativa (muito bem construída), cada segredo sendo revelado aos poucos, até a última página.

“É como passar diante de um espelho pelo qual passamos todos os dias de nossas vidas e de repente perceber que ele reflete outra coisa, uma coisa estranha e perturbadora.” p. 50

Questionando a realidade

O livro é narrado em primeira pessoa por Kathy, que trabalha como cuidadora (não posso revelar detalhes sobre a profissão) na Inglaterra, no final dos anos 90. Ela nos conta sua história desde o tempo em Hailsham, até sua vida adulta. Tudo aquilo que é narrado são situações que já ocorreram, principalmente entre ela e seus amigos de internato. Foi agradável ler como Kathy, Tommy e Ruth se conheceram e como a amizade entre eles foi construída, tornando-se, no fim, um triângulo amoroso.

Em certo ponto da narrativa, eles passam a questionar a realidade de suas vidas, do internato, de quase tudo, principalmente após um guardião (espécie de professor) dar sinais de que algo está sendo escondido dos alunos. Há um propósito para tudo acontecer da maneira que acontece, e esse propósito não é muito esperançoso.

Não sou fã de histórias narradas por alguém que já sabe de todo o mistério, mas fica criando clima para revelar tudo, como se não soubesse de nada. Mas a maneira que Ishiguro moldou seu romance me prendeu e agradou, apesar de eu achar as personagens muito ingênuas; elas nunca se rebelam contra seu destino, o que leva ao pensamento: será que essa luta vale a pena?

Essa ingenuidade contribui para o grande sentimentalismo presente, que sempre pende para o lado mais triste, mesmo com alguns pontos mais alegre e engraçados em certas partes. Tudo isso mexe com o sentimento do leitor, o que é um ponto muito positivo para um livro.

“De modo que quando surge a oportunidade de escolher, claro que você vai optar por pessoas semelhantes a você. Isso é natural.” p. 10

Sobre a edição

Edição comum, brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Soft, boa diagramação. O destaque fica para a arte da capa, minimalista, na cor prata, que se estende numa pintura trilateral. Ficou bacana o padrão visual que a editora Companhia das Letras adotou para as obras do autor.

Tradução de Beth Vieira, profissional que já executou diversos trabalhos para diversas editoras. Uma boa tradução que manteve o ritmo da obra. Só não gostei de alguns termos que ela resolveu utilizar, que são utilizados por quase ninguém, seja na forma escrita ou falada. Felizmente, isso acontece muito pouco. Em geral, um bom trabalho.

“Porque em algum lugar, lá no fundo, uma parte de nós permaneceu igual: receosos do mundo em volta e — por mais que nos envergonhássemos disso — incapazes de deixar o outro partir de uma vez por todas.” p. 149

Conclusão

Meu primeiro contato com o autor foi positivo. Um livro que conta uma boa história, comprometendo-se com a literatura, por meio da capacidade de transmissão de emoções que essa arte apresenta. História de romance com pinceladas sci-fi, prende o leitor pela forma que foi moldada, apresentando pequenas revelações, sobre um mistério maior, aos poucos. Personagens legais, que funcionam no enredo, exercendo muito bem o papel que Kazuo Ishiguro os designou. Prepare-se para uma história de amor, perdas e ilusões, emocionante e muito triste, claro, apresentando também momentos bonitos e engraçados.

“Mas eu não via o menor problema nisso. A música era sobre o que eu achava que era, e gostava de escutá-la repetidas vezes, sozinha, sempre que surgia uma chance.” p. 90

Minha nota (de 0 a 5): 4

Alan Martins

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

12 pensamentos

  1. Ishiguro é realmente um negócio bem diferente, porque ao mesmo tempo em que ele faz uma literatura que o faz ganhar o Prêmio Nobel, ele fala aos mais simples dos homens das coisas mais complexas. Às vezes, ele me deixa bastante angustiado, como com “O Gigante Enterrado”. Que livro! Vai gostar desse também. Segui seu blog porque tem muita coisa de que gosto aqui. Um forte abraço.

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    1. Gostei muito desse livro e logo pretendo ler outros dele; tenho mais dois. Foi um Nobel merecido, o cara manda bem mesmo.
      Fico feliz que tenha gostado do blog, sempre procuro trazer livros e posts interessantes, é bom saber quando alguém gosta de nosso trabalho. Espero que os seguintes possam ser tão interessantes quanto. Hoje mesmo postei uma resenha.
      Obrigado. Seja bem-vindo.
      Grande abraço.

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  2. Ah…
    Dele já li “O Gigante Enterrado” (ainda vou falar desse livro) e tenho o “Os Vestígios do Dia” por ler. Mas fiquei super intrigado com esse que você leu. Principalmente tendo um pano de fundo na FC.
    E concordo contigo. Ele é um autor “sério” (ainda lembro da nossa conversa sobre isso 😉 rs)
    “O Gigante Enterrado” também passa-se na Inglaterra, mas na de Arthur… É uma fantasia, mas só que não. Essa é a grande questão com os livros dele. Não importa o pano de fundo, as obras são sempre sobre as pessoas e sobre o que elas sentem e sobre como elas vêem o mundo… Se ainda não leu o Gigante Enterrado, eu recomendo 🙂
    Abraços!

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    1. Ainda não o li, esse livro da resenha foi o primeiro que leio desse autor. Eu li mesmo que ‘O gigante enterrado’ tem um pano de fundo fantasioso, o autor até conversou com Neil Gaiman sobre isso, e tem uma citação dele na capa desse livro, na edição brasileira. Acho que essa coisa de se questionar a realidade é algo sempre presente nos livros de Kazuo Ishiguro, e por um lado, é algo presente em nossos dias também. Acho que você vai gostar de ‘Não me abandone jamais’!
      Grande abraço! 🙂

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  3. como escrevi outro dia a você, tenho um livro dele pronto para ser lido. o comentário de hoje, e não conheço o livro, porém traz algumas pistas muito interessantes: personagens ingênuas, não se rebelam contra o destino, um certo conformismo. não será uma espécie de metáfora onde a ingenuidade ainda é o que o ser humano pode possuir de melhor? e não se rebelar não seria também a preservação desse melhor? perguntas de quem não leu o livro, e sim o seu comentário. irei procurar para entra na fila dos para serem lidos. uma grande abraço, Alan.

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    1. Pensando dessa forma, poeria ser uma interpretação sim. Há um debate sobre o que é ser humano, o que é a alma e a narrativa leva a entender que a sensibilidade talvez revelasse isso, por meio das artes (poesia, por exemplo).
      Falei rebelar num sentido de não aceitação, de fugir para buscar evitar aquilo que está destinado às personagens, que é um pensamento que nunca surge. Ninguém pensa: como evitar isso? Até surge uma solução, porém temporária, bem temporária, que é através do amor, do sentimento. Então acho que uma interpretação da ingenuidade como sensibilidade, mostrar o lado humano, é cabível.
      Obrigado pelo seu apontamento!
      Grande abraço, bom domingo.

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  4. É dele o livro que virou filme com Emma Thompson e Anthony Hopkins, história de um mordomo? Se for, gostei imenso! Lembro-me de ter lido um de seus primeiros livros, já não me lembro do título. Penso que deveria ler mais livros dele.

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    1. Isso, é o livro ‘Vestígios do dia’, que eu citei na resenha. Ele também é publicado pela Companhia das Letras, agora que o autor ganhou o Nobel, você encontra o livro bem fácil. O filme recebeu muitas indicações ao Oscar, mas eu ainda não assisti, nem li a obra literária na qual foi baseado. Acho que será o próximo desse autor que vou ler.
      Obrigado pela visita!
      Abraço.

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