“A realidade pode não ser tão doce”
Título: Memórias póstumas de Brás Cubas
Autores: Machado de Assis
Editora: Panda Books
Ano: 2018
Páginas: 356
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“Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.” (ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Panda Books, 2018, p. 98)
Considerada por muitos críticos a obra que iniciou o realismo no Brasil, ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’ também marcou o início de uma nova fase de seu autor, além de ter surpreendido os leitores do século XIX por apresentar uma narrativa não-linear, fora dos padrões de sua época.
Machado de corte preciso
Seria um exagero dizer que Machado de Assis é o maior escritor brasileiro de todos os tempos? Não, pois é assim que muitos o enxergam, tanto críticos, quanto leitores, ou estudiosos. Não tem como falar sobre literatura brasileira sem citar esse importantíssimo autor, que também é o terror de muitos adolescentes, principalmente nas aulas de literatura do Ensino Médio.
Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, filho de uma família pobre. A difícil situação financeira não impediu que ele lutasse para alcançar seus objetivos. Ele foi uma pessoa que sempre procurou enriquecer-se intelectualmente, um autodidata nato.
Foi o fundador e o primeiro presidente (eleito com unanimidade) da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 1908, aos sessenta e nove anos, deixando vasta obra, clássicos como ‘Dom Casmurro’ e ‘Quincas Borba’. É um autor lembrado até os dias de hoje, muito requisitado nas escolas e em vestibulares.
“Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa: antes um argueiro, antes uma trave no olho.” p. 27
Deixe o defunto falar
O início desse livro já é bem diferente. O protagonista está morto e narra tudo de dentro de seu túmulo (ou de onde quer que ele esteja, afinal, a morte é um mistério). E não é spoiler dizer isso, já que uma dedicatória ao verme que roeu o cadáver de Brás Cubas abre o romance.
Podemos dizer que se trata de uma autobiografia de verdade, pois é o próprio Brás contando sua história, do começo ao fim, narrando até seu próprio velório. Mas as coisas não são postas de maneira linear. Sim, há certa linearidade, porém, às vezes, temos saltos temporais, o que não era tão comum na literatura do século XIX.
Brás Cubas, o protagonista, nasceu em uma família rica do Rio de Janeiro e sempre foi um garoto matreiro e mimado pelos pais. Vivia aprontando e fugindo de grandes responsabilidades. Sua vida adulta foi, digamos, fácil. A polpuda herança que seu pai deixou, lhe proporcionou sombra e água fresca.
Se havia sorte no lado financeiro, não podemos dizer o mesmo sobre a vida amorosa de Brás. Seus relacionamentos foram frustrados, algo sempre acabava dando errado. E suas aventuras com suas amantes cobrem boa parte da obra, assim como suas empreitadas e tentativas de iniciar uma vida política. Vida cheia de aventuras, mas improdutiva, um tanto medíocre.
“Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar.” p. 41
Realismo
Apesar de ser possível notar traços do romantismo em ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’, críticos afirmam se tratar da obra que inaugura o realismo na literatura brasileira. Isso porque os fatos são narrados de acordo com a realidade, com certa melancolia, pessimismo e ironia. Machado de Assis não estava tentando criar um mundo perfeito, onde tudo é lindo e tudo dá certo. Os problemas sociais estão presentes, assim como os defeitos das pessoas, a hipocrisia da época.
Nem o protagonista se salva. Brás é cheio de si, um tanto individualista, alguém sem um grande objetivo na vida, e isso não faz dele um personagem ruim. Sua falta de sorte é fruto de sua personalidade, e dá até pena, em certos momentos, vê-lo falhar em várias empreitadas, principalmente em seus romances.
Ah! Os romances também não são um mar de rosas. Há traição, e daquelas que a cidade toda fica sabendo, menos a pessoa traída. Nem isso é romantizado, dá para ver que a traição não é vista como algo bacana, todavia, é algo que existe, mesmo nas melhores famílias.
Assim como em ‘O alienista’, o humor se faz presente. A maneira como Brás Cubas apresenta sua realidade, nua e crua, chega a ser engraçada, suas descrições não são muito ponderadas. Esse humor também aparece nas críticas à sociedade da época, assim como a movimentos políticos e científicos, como o positivismo. E existe uma filosofia bem irônica também, criada por Quincas Borba, amigo de Brás. Quincas é protagonista de uma obra machadiana e é um detalhe interessante as duas obras fazerem parte do mesmo universo.
Após a leitura desse livro, tenho certeza de que Machado de Assis foi um daqueles tiozões que gostam de fazer troça, um sujeito bem-humorado.
“[…] a avareza é apenas a exageração de uma virtude, e as virtudes devem ser como os orçamentos: melhor é o saldo que o déficit.” p. 292
Sobre a edição
Edição padrão. Brochura, capa com orelhas, miolo em papel off-white.
Essa edição, que recebi da própria Panda Books, é a edição perfeita para jovens que estão no Ensino Médio e/ou prestes a prestar algum vestibular. Por se tratar de uma obra antiga, muitas palavras já não são mais utilizadas por nós. Pensando nisso, essa edição apresenta o significado de várias dessas palavras, além de explicar fatos históricos e culturais, que auxiliarão na compreensão do romance.
Um outro detalhe dessa coleção de clássicos que a editora vem publicando é a diagramação. O design é diferenciado e cheio de detalhes, o que deixa o livro com um aspecto de revista (até a fonte se parece com as utilizadas em revistas, uma fonte sem serifa). Essa edição de ‘Memórias póstumas’ também está recheada de ilustrações, o que deixa tudo muito mais agradável e moderno, mais atraente. Ao final, há um mapa dos personagens, ilustrado e com descrições. É uma revitalização dos clássicos.
“A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana.” p. 213
Conclusão
Ler obras clássicas da literatura brasileira nem sempre é uma tarefa fácil. Os enredos parecem antiquados, assim como a linguagem, apresentando palavras que não são mais utilizadas atualmente. A edição da Panda Books foi elaborada pensando nisso, trazendo notas e explicações, o que deixa a leitura mais compreensível e intuitiva, além de didática. Ou seja, é uma bela maneira de ler esse clássico da literatura nacional, uma obra que marca o início do realismo, apresentando um enredo não-linear, quebrando os padrões de sua época. Esqueça o romantismo, a exaltação, descrições fantasiosas. O defunto Brás Cubas narra tudo de acordo com a realidade (e que dura realidade!). As belas paisagens do Rio de Janeiro não fazem parte da obra, há, sim, uma maior descrição de locais cheios de gente, em uma época em que a escravidão ainda não fora abolida. As relações entre as pessoas não são perfeitas, há a ganância, a soberba, traições. Nem mesmo Brás faz o tipo de protagonista “mocinho”, ele é cheio de defeitos, e o fato de suas memórias terem sido escritas após sua morte, o livrou do sentimento de culpa por tudo aquilo que ele vai nos dizer; não faz sentido ter papas na língua após a morte. E ele é um defunto bem legal, que se preocupa com seus leitores, se seu texto será apreciado. Um clássico que marca um momento importante da literatura brasileira. Leitura engraçada e, claro, antiga, entretanto, essa edição da Panda Books deixa a leitura bem mais gostosa.
“— Não importa.; a loucura entra em todas as casas.” p. 341
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins

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