“Drogas, aliens e viagem no tempo”
Título: Espere agora pelo ano passado
Autor: Philip K. Dick
Editora: Suma
Ano: 2018
Páginas: 296
Tradução: Braulio Tavares
Encontre este livro na Amazon: https://amzn.to/2Sh81Rm
“Os seres humanos sempre se esforçaram para reter o passado, para conservá-lo de forma convincente; não há nada de errado nisso. Sem isso, não temos nenhum senso de continuidade, temos apenas o momento.” (DICK, Philip K. Espere agora pelo ano passado. Suma, 2018, p. 39)
Nessa história, que mistura alienígenas, viagem no tempo, drogas e guerra, Philip K. Dick apresenta diversos elementos recorrentes em seus romances, sempre com aquela pitada filosófica, mas dessa vez com várias características pessoais projetadas no papel. O resultado disso tudo é um livro que se diferencia dos seus grandes sucessos.
Vida complicada
Philip K. Dick nasceu em Chicago, em 1928, e faleceu na cidade de Santa Ana, Califórnia, em 1982. É considerado, hoje, um dos maiores nomes da literatura de ficção científica dos Estados Unidos, com obras que influenciaram tanto a literatura, quanto o cinema.
Teve uma vida complicada. Nunca conseguiu manter relacionamentos duradouros; casou-se cinco vezes e divorciou-se também cinco vezes. Seu humor era muito instável, resultado do uso abusivo de drogas durante boa parte de sua vida.
Muitos dos problemas encarados por PKD foram utilizados em seus livros, aparecendo explicitamente nas características de muitas personagens. Suas obras vão além da ficção científica, sempre apresentando questões críticas e existenciais por trás dos panos (talvez seu grande diferencial). Alguns de seus livros mais conhecidos são: ‘Androides sonham com ovelhas elétricas?’, ‘O homem do castelo alto’ e ‘Ubik’.
“A guerra em si já é uma coisa bastante ruim, pensou Eric, mas nada se compara à derrota numa guerra para fazer um sujeito parar e pensar, tentando em vão avaliar retroativamente suas decisões passadas […]” p. 17-18
Tempos de guerra
O protagonista desse livro se chama Eric Sweetscent, um cirurgião especialista em transplante de órgãos artificiais, utilizados para estender a vida de uma pessoa, substituindo órgãos danificados. Ele trabalha para uma das companhias mais poderosas da Terra, sendo o médico particular de seu presidente.
Nos encontramos no ano de 2055, com uma guerra sendo travada entre os Starmen, que habitam o planeta Lilistar, e os reegs, criaturas que possuem seis membros e a aparência de inseto. A Terra e seu líder, Gino Molinari, o Secretário Geral da ONU, viram-se obrigados a fazer uma aliança com os Starmen, entretanto, uma aliança nada positiva para o povo de Molinari.
Durante toda essa confusão causada pela guerra, uma nova droga foi criada, a JJ-180, com propriedades alucinógenas, capaz de gerar dependência logo na primeira administração. Todavia, a JJ-180 guarda vários segredos, um deles é a capacidade de transportar seu usuário para realidades alternativas, outros futuros, ou passados.
Eric Sweetscent, ao receber de Gino Molinari uma importante tarefa, se encontrará no meio de eventos que podem mudar o rumo da guerra. O desenrolar dessa história transformará a vida do médico, que busca um significado para sua vida e seu casamento conturbado.
“No casamento pode-se produzir o maior ódio que pode existir entre dois seres humanos, talvez por causa da proximidade constante, talvez porque em algum outro momento houve amor.” p. 215
Diferente, mas nem tanto
Para quem já leu outros livros de PKD, notará que ‘Espere agora pelo ano passado’ é um pouco diferente, apresentando uma guerra interplanetária e até mesmo alienígenas, o que não aparece muito em seus trabalhos mais aclamados. E isso é bom, pois traz algo de diferente, não parece uma repetição, como muitos autores que seguem sempre uma mesma “receita”.
Todavia, um leitor atento encontrará vários elementos recorrentes nas obras desse grande autor. Há a menção aos precogs, humanos com habilidades psíquicas, que aparecem em ‘Ubik’; um protagonista com problemas em seu casamento, e uma esposa problemática; uso e abuso de drogas; e, claro, viagens no tempo.
Aquele lado filosófico também está presente, porém mais tímido. Parece que o autor escreveu pensando em seus próprios problemas, relacionados aos seus casamentos desastrosos e ao seu uso abusivo de substâncias psicoativas. No fim de sua vida, PKD estava dando uma maneirada nas drogas, e parece que, já nesse livro, ele percebeu que o uso dessas substancias não o levaria a lugar algum.
Um enredo interessante, criativo e escrito de uma forma que a leitura se desenvolve muito bem. O começo é um pouco lento, a narrativa demora até engatar a quinta marcha, o que pode frustrar alguns leitores. Não desanime, vale a pena continuar a leitura até o final!
“No que me diz respeito, as drogas deliberadamente viciantes e tóxicas são uma abominação, um crime contra a vida.” p. 247
Sobre a edição
Edição que segue o mesmo padrão de qualidade apresentado pela Suma em ‘O tempo desconjuntado’. Capa dura, acabamento em soft-touch, arte cheia de estilo, miolo em papel Pólen Soft, boa diagramação.
Tradução de Braulio Tavares, poeta paraibano, um grande fã de ficção científica. Ele já vem traduzindo livros para a Editora Suma há algum tempo, sempre realizando excelentes trabalhos, e com ‘Espere agora pelo ano passado’ não foi diferente.
“Está sendo admitido num segredo de Estado. O que acha disso? É dessa maneira que os Estados modernos são administrados.” p. 124
Conclusão
Esse trabalho que a Editora Suma iniciou em 2018, de publicar obras inéditas de Philip K. Dick, é muito bacana, possibilitando aos leitores a oportunidade de conhecer outras faces desse grande autor, um dos maiores nomes da ficção científica do século XX. Em ‘Espere agora pelo ano passado’ conhecemos o cirurgião Eric Sweetscent, que, no ano de 2055, passa por sérios problemas em seu casamento. Ele trabalha para o presidente de uma grande companhia que o apresenta para o líder do planeta Terra e Secretário Geral da ONU, Gino Molinari, que sofre de uma misteriosa doença. A Terra foi forçada a fazer uma aliança com os habitantes do planeta Lilistar, que estão em guerra com uma outra civilização extraterrestre, os reegs. Como se uma guerra não fosse o suficiente, Eric terá pela frente um novo problema: a JJ-180, uma droga alucinógena capaz de transportar seu usuário para realidades alternativas. Com essa mistura muito louca, PKD criou uma história interessante e diferente. No início, a leitura demora um pouco para engrenar, mas, assim que engrena de vez, flui deliciosamente. Não é o melhor livro do autor, porém vale a pena conhecê-lo.
“Criaturas vivas não foram feitas para compreender o que fazem.” p. 84
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins

Parceiro

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.
2 pensamentos