“O que Freud escreveu sobre esses três temas?”
Título: Neurose, Psicose, Perversão
Autor: Sigmund Freud
Editora: Autêntica
Ano: 2016
Páginas: 368
Tradução: Maria Rita Salzano Moraes
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“A inteligência é sempre fraca, e para o filósofo é fácil transformar a resistência interna em refutação lógica.” (FREUD, Sigmund. Carta 228 [125]. In: Neurose, Psicose, Perversão. Autêntica, 2016, p. 53)
Uma edição com textos organizados de maneira temática, contendo artigos e cartas de Sigmund Freud que abordam os temas Neurose, Psicose e Perversão. O que o pai da Psicanálise escreveu a respeito desses diferentes tipos de personalidade?
Inovador e ousado
Sigmund Freud [1856 – 1939], conhecido como o Pai da Psicanálise, foi um dos nomes mais importantes do século XX, um pesquisador que influenciou, e muito, não apenas a escola de pensamento que fundou, mas também a Psicologia em geral.
A Psicologia “tornou-se uma ciência” com os experimentos do consciente promovidos por Wilhelm Wundt. Freud propôs um outro objeto de estudo: o inconsciente, que, através de seu método de análise, poderia vir à consciência; tudo por meio da fala, o que acabou ficando conhecido por “cura pela fala”.
Com uma teoria baseada em pulsões sexuais, colocando a sexualidade como uma peça central no desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, podemos dizer que Freud foi bastante ousado, ainda mais se considerarmos a época em que viveu, onde a sexualidade era extremamente reprimida socialmente, principalmente a sexualidade feminina. Além de ousado, ele foi inovador, quebrou paradigmas e criou uma nova visão sobre o desenvolvimento das personalidades, mantendo-se muito presente na área acadêmica e atual, mesmo hoje, tanto tempo após sua morte.
“Só existem duas possibilidades de se permanecer sadio quando há um impedimento real duradouro da satisfação: a primeira é transformar a tensão psíquica em energia ativa que permaneça voltada para o mundo exterior e que acabe por arrancar dele uma satisfação real da libido, e a segunda, é renunciar à satisfação libidinal, sublimando a libido represada, de modo a alcançar metas que não são mais eróticas e que escapam do impedimento.” In: Sobre tipos neuróticos de adoecimento, p. 72
Atual, mas não unânime
Freud desenvolveu suas teorias ao longo de sua vida; suas ideias estavam sempre em constante transformação, conceitos eram sempre revistos. Apesar de ele levar o título de “Pai da Psicanálise”, não desenvolveu sozinho todas as suas ideias. Todas as novas descobertas e teorias eram debatidas entre os membros da Sociedade Psicanalítica que ele ajudou a criar e da qual era membro.
Ao longo de sua vida, Freud rompeu com inúmeros colegas de profissão, por discordarem sobre diversos assuntos dentro da Psicanálise, que estava em formação. Claro, essa Escola se desenvolveu, muito, após sua morte, com outros nomes ganhando destaque, entretanto Freud é a base de tudo, seus textos são a essência da Psicanálise.
Apesar de aceitas e influentes, as teorias psicanalíticas sempre receberam fortes críticas em relação a sua cientificidade. Por ser repleta de conceitos abstratos e difíceis de serem comprovados, como o próprio Complexo de Édipo, tão importante para a formação da personalidade de uma pessoa, muitos críticos dizem não se tratar de uma ciência, principalmente quando se fala no princípio de falseabilidade, proposto por Popper.
Seja como for, é inegável a influência da Psicanálise em diversas áreas do saber — principalmente na área de Humanas —, para a Psicologia clínica e para as artes, como a Literatura. Freud continua sendo estudado e continuará a ser por muito tempo.
“Para decidir entre perversão ou neurose, sirvo-me da você bissexualidade de todos os seres humanos. Num ser puramente masculino haveria, também nas duas barreiras sexuais, um excesso de liberação masculina, portanto, produção de prazer e, em consequência, perversão; no puramente feminino, um excesso de substância desprazerosa nessas ocasiões.” In: Carta 112 [52], p. 41
Nova proposta de organização
A Editora Autêntica apostou em uma nova proposta de organização da obra freudiana. As versões mais comuns, como a Standard, são organizadas em ordem cronológica ou por temas ou fases. A editora diz que sua coleção ‘Obras incompletas de Sigmund Freud’ (da qual o livro resenhado faz parte) é a primeira organização dos escritos de Freud de forma temática. Ou seja, cada volume aborda temas em específicos. ‘Neurose, Psicose, Perversão’ contém textos que datam do final de século XIX até obras mais tardias, de 1927, que falam especificamente sobre esses temas.
Esse modelo de organização deixa a compreensão do que está sendo lido mais clara, por não misturar muitos temas em apenas um único volume, o que pode confundir leitores iniciantes, ou aqueles que não detém nenhum conhecimento acerca da obra freudiana. Essa é a intenção da editora: fazer Freud ser interessante não apenas por aqueles que estudam a Psicanálise, mas também para outros tipos de leitores.
Ademais, a coleção é tratada com muito cuidado, por uma coordenação e um conselho editorial composto por especialistas qualificados, tanto na Psicanálise, quanto em linguística e tradução. Alguns conceitos foram alterados na tradução inglesa das obras de Freud, que foi muito difundida no Brasil. Por exemplo, no original em alemão, temos isso, eu e super-eu, e não id, ego e superego; conceitos que sofreram essa latinização na tradução inglesa para soarem mais científicos. Nessa coleção, o leitor encontrará os termos traduzidos a partir de suas propostas originais (isso, eu, super-eu, por exemplo).
Não se trata de um livro simples de ser lido, ainda mais para quem não possui nenhuma familiaridade com a Psicanálise. É uma obra para ser lida e relida. Ninguém vai ler esse volume e se tornar um expert em Neurose, Psicose e Perversão. Apesar disso, a escrita de Freud é bastante literária, muitos de seus textos não soam tão científicos assim (não é desmerecimento, mas a linguagem é um pouco diferente). Ele escrevia muito bem, foi muito elogiado por isso e até recebeu o prestigiado Prêmio Goethe. Se Freud tivesse se dedicado à vida de romancista, teria se dado muito bem.
Há um artigo intitulado ‘Uma neurose demoníaca no século XVII’, publicado em 1923, presente nesse volume, onde Freud se propõe a analisar o caso de uma suposta possessão demoníaca de um pintor. Baseando-se em sua teoria e no diário do pintor, ele concluiu se tratar de uma neurose, e não um evento sobrenatural. É um texto bem distinto e interessante de ser lido.
“A Psicanálise nos advertiu a abandonarmos a infecunda oposição entre fatores externos e internos, entre destino e constituição, e nos ensinou a encontrar a causação do adoecimento neurótico regularmente em uma determinada situação psíquica que pode se produzir por diversos caminhos.” In: Sobre tipos neuróticos de adoecimento, p. 79
Sobre a edição
Edição padrão. Brochura, capa comum com orelhas, miolo em papel Off-White 80g/m², boa diagramação. A divisão dos textos ficou muito boa, com muitas notas explicativas e uma síntese ao final de cada artigo, buscando condensar a ideia central daquilo que foi lido.
Tradução muito cuidadosa de Maria Rita Salzano Moraes, direto dos originais em alemão. A editora presa muito pelas traduções dessa coleção, o leitor pode ficar tranquilo quanto a isso. Uma edição muito caprichada (a coleção toda é).
“Não é papel da Psicanálise resolver o problema da homossexualidade. Ela precisa se contentar em revelar os mecanismos psíquicos que levaram à decisão sobre a escolha de objeto e em rastrear seus caminhos até as disposições pulsionais.” In: Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina, p. 188
Conclusão
É difícil criticar a Escola da Psicanálise, tão importante e influente, muito estudada, até hoje, no mundo todo. Você pode criticar um ponto ou outro, discordar de algum conceito, porém você não pode negar a genialidade de Freud, um homem que estava à frente de seu tempo, que explorou assuntos que eram tabus, quase que proibidos em sua época. Seus estudos fundaram a Psicanálise e deram uma nova visão sobre os estudos das personalidades — principalmente as personalidades neuróticas, psicóticas e perversas, que são abordadas nesse volume. O estudo do inconsciente foi um passo importante para o desenvolvimento não só da Psicanálise, mas também da Psicologia, principalmente na área clínica, que, independente da abordagem adotada pelo terapeuta, tem sua origem em Freud. Quem já conhece a Psicanálise, verá na coleção ‘Obras incompletas de Sigmund Freud’ uma nova maneira de ler as obras desse autor, quem ainda não conhece nada sobre o assunto, encontrará um ótimo ponto de partida. A Autêntica está de parabéns pelo seu empenho e dedicação para com essa coleção.
“Com toda a modéstia, podemos sustentar que hoje até os mais obtusos entre os nossos contemporâneos e colegas começam a entender que sem a ajuda da Psicanálise não é possível chegar a uma compreensão dos estados neuróticos.” In: Uma neurose demoníaca no século XVII, p. 230
Minha nota (de 0 a 5): 5 — a nota vai pelo empenho da editora, não estou em posição de dar uma nota ao conteúdo do livro.
Alan Martins

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Me apaguei à sua conclusão… Eu não me relaciono muito com essa área, mas tenho uma percepção de que, nos últimos tempos, Freud foi muito “atacado” nas redes. Muitas opiniões manifestando ideias de que ele seria antiquado ou outras formas de desqualificar tudo o que compartilhou. Não tenho o conhecimento para fazer uma análise crítica da situação ou do legado de Freud em si, mas gosto da ideia de que, independente do que se acredita ou defende, é importante reconhecer o cara.
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Sem Freud, talvez muito do que conhecemos hoje, na questão da saúde mental, não existisse. O cara estudou a vida toda as neuroses e psicoses, dedicou sua vida ao seu trabalho e criou um padrão de atendimento clinico, rompeu com a psiquiatria de sua época, que trancava os “loucos” em hospícios. Como está escrito no posfácio desse livro “Freud deu voz aos ‘loucos’, deixou eles se expressarem, sem impor-se”. É preciso reconhecer sua importância, independente da teoria que você segue. Eu me considero um behaviorista, porém acho os escritos de Freud interessantes e importantes, ficar com briguinhas sem nexo é… bem… sem nexo. Respeitar e dar valor é diferente de concordar com tudo o que a Psicanálise diz.
Obrigado pelas suas palavras, minha cara!
Grande abraço.
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Excelente posicionamento!
Estamos aí, Alan 🙂
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Muito bom, Alan! Tenho vontade de ler! Abraço🌻
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Muito obrigado!
Como você tem um interesse pela Psicanálise, acho que vai gostar bastante dessa coleção, não apenas desse volume. Quando tiver a oportunidade, compre-o, garanto que não vai se arrepender!
Abraço!
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