Minhas Leituras #82: O Mestre e Margarida – Mikhail Bulgákov

O Mestre e Margarida livro capa 34

“Censura, fantasia e bom humor”

Título: O Mestre e Margarida
Autor: Mikhail Bulgákov
Editora: Editora 34
Ano: 2017
Páginas: 408
Tradução: Irineu Franco Perpetuo
Encontre este livro na Amazon: https://amzn.to/2vQBfgn

[…] mas algo de mau se esconde nos homens que fogem do vinho, do jogo, da companhia de mulheres sedutoras, das conversas à mesa. Esse tipo de gente ou é bem doente, ou odeia em segredo quem está a seu redor.” (BULGÁKOV, Mikhail. O Mestre e Margarida. Editora 34, 2017, p. 210)

Um livro censurado pelo governo soviético que, anos após a morte de seu autor, acabou se tornando um clássico, a obra mais aclamada de Bulgákov, um dos predecessores do realismo mágico.

Homem de coragem

Mikhail Bulgákov [1891-1940] é tido como um dos mais importantes escritores russos do século XX, sempre presente em listas sobre os maiores autores desse gigantesco país. Formado em medicina, voluntariou-se, durante a Primeira Guerra Mundial, para trabalhar para a Cruz Vermelha e foi enviado diretamente ao front de batalha.

Todavia, nutria grande interesse pela arte. Tinha como ídolos escritores como Gógol, Dostoiévski e Goethe. Escreveu, ao longo de sua carreira, diversas peças de teatro, que fizeram grande sucesso; algumas delas foram apreciadas até mesmo por Stalin.

Sua obra-prima, ‘O Mestre e Margarida’, escrita entre 1928 e 1940, durante o regime de Stalin, foi vítima da forte repressão política desse ditador. Porém, por conta da censura soviética, a obra só foi publicada na Rússia em 1967 e mesmo assim com muitas partes censuradas. Apenas anos mais tarde o povo russo conheceu a versão sem censura da obra, depois de o resto do mundo já a ter conhecido.

“Sim, o homem é mortal, mas isso é desgraça pouca. O pior é que ele é subitamente mortal, esse é o cerne. Em geral não consegue dizer nem o que vai fazer hoje à noite.” p. 23

E se o Tinhoso aparecesse na sua cidade?

A história começa com dois literatos caminhando pelas ruas de Moscou, quando encontram um sujeito, que tomam por estrangeiro. O primeiro capítulo chama-se ‘Nunca fale com desconhecidos’ e teria sido melhor se os personagens tivessem seguido esse conselho.

Woland, o estrangeiro (que estava acompanhado por duas outras figuras estranhas), começa a contar aos dois amigos uma história sobre Pôncio Pilatos, insinuando que estava presente quando este participou da condenação Jesus. A partir desse momento, muitas coisas estranhas começam a acontecer com esses dois literatos e com pessoas da arte, escritores e donos de teatro, conectadas a eles.

Mais adiante, as personagens que dão título ao livro serão apresentadas. A história de ambos é uma espécie de romance que mudam um pouco o rumo da narrativa. Essa obra apresenta uma viagem mágica e surrealista, com momentos engraçados e outros críticos. Um livro único e surpreendente.

“A humanidade gosta de dinheiro, não importa do que ele é feito, de couro, de papel, de bronze ou de ouro.” p. 131

Marco da literatura

Podemos considerar essa obra como um dos primórdios do realismo mágico, gênero que consagrou grandes autores, como Gabriel García Márquez e Haruki Murakami, um estilo de escrita que coloca elementos mágicos e fantásticos dentro de uma narrativa realista.

Pelo seu caráter satírico, criticando aspectos da ditadura implementada pelo regime soviético, o livro acabou sendo censurado por Stalin. É possível identificar essas críticas em diversos detalhes do enredo.

A obra é dividida em duas partes. A primeira, de certa forma, tem um clima mais sério. Na segunda, muitas situações surrealistas acontecem, repletas de exageros, até parece um livro de fantasia — é o que dá brilho à obra, parte da sátira, um exagero intencional. Para citar um exemplo, temos personagens transformadas em bruxas, que sobrevoam Moscou, nuas.

Algumas partes do livro abordam temas religiosos, contando a história de Ieshua e Pilatos. Esse elemento também causou um pouco de euforia na Rússia, onde, com o regime soviético, uma forte propaganda ateísta estava sendo espalhada. E, de certa forma, o fato de Satã aparecer, em pessoa, na cidade de Moscou deve ter sido um tanto quanto assustador.

Leitura divertida (apesar de alguns momentos cansativos e enrolados), com muito humor e exageros, além de conter muitas críticas ao que ocorria na política russa da década de 1930, da forte censura e repressão. Um clássico inspirado em ‘Fausto’, de Goethe, tanto que ficou conhecido como ‘O Fausto russo’.

“Às vezes, de modo completamente inesperado e traiçoeiro, ela [a misericórdia] se infiltra nas menores fendas.” p. 285

Sobre a edição

Edição comum. Brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Soft 70g/m², boa diagramação.

Tradução de Irineu Franco Perpetuo (muito boa, aliás), direta do original em russo. Em 2010, a Alfaguara publicou essa mesma obra, com tradução de Zoia Prestes, também direta do russo. Irineu foi o revisor técnico dessa tradução, então ele já possuía certa intimidade com a obra, o que, certamente, deve ter ajudado em sua própria tradução. O diferencial dessa edição da Editora 34 é a base utilizada para a tradução, que foi a última edição crítica da obra, publicada na Rússia em 2014. Além da tradução, Irineu também escreveu um posfácio à edição e diversas notas de rodapé, que ajudam o leitor a se contextualizar.

Um fato curioso sobre a tradução: o tradutor teve seu notebook de trabalho roubado. Ele já havia traduzido os catorze capítulos iniciais e teve que começar tudo de novo.

“[…] e se interrogássemos algumas bisavós, especialmente aquelas que desfrutam de uma reputação de humildade, descobriríamos os mais espantosos segredos […]” p. 256

Conclusão

Quando uma obra irrita tanto um governo, ao ponto de ser censurada, é um sinal de que se trata de uma leitura que traz algo a mais, que expõe atrocidades, como esse governo explora e subjuga sua própria população. Era assim na Rússia soviética de Stalin, que sofria com um regime altamente autoritário e controlador, as pessoas não gozavam de muita liberdade. A sátira de Bulgákov é magistral e corajosa. Leitura gostosa, com um bom humor sempre presente, expondo, de maneira muito inteligente, aquilo de pior que o corria na política soviética. Quem gosta de Kafka vai gostar desse livro, pois o surrealismo impera, as situações são sempre exageradas. O caráter fantástico agradará os fãs de fantasia, apresentando fortes características desse gênero. Conheça o’ Fausto russo’, uma obra cheia de referências e tão boa quanto a de Goethe. Um clássico do século XX.

“Venha comigo, leitor! Quem lhe disse que não há no mundo amor verdadeiro, fiel, eterno? Que cortem a infame língua desse mentiroso! Venha comigo, meu leitor, apenas comigo, e lhe mostrarei tal amor!” p. 221

Minha nota (de 0 a 5): 4

Alan Martins

Livro O Mestre E Margarida Bulgákov Editora 34
Edição que segue o padrão gráfico adotado pela editora para a sua Coleção Leste. Simples e elegante.

Parceiro
Livros mais vendidos Amazon
Clique e encontre diversos livros em promoção!

Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.

Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

19 pensamentos

  1. Sua apresentação é primorosa. Já tinha ouvido falar deste autor russo,mas não o li, não o conheço. Com sua apresentação já estou pensando em adquirir o volume. Os russos, por tradição, são mestres na narrativa. Minha curiosidade aumento. Obrigado e parabéns. Bom final de semana! Abraço

    Curtido por 1 pessoa

    1. Os russos são realmente joias da literatura. Esse é um livro do século XX, a grandiosidade continua a mesma, mas é notável como há uma mudança em relação aos autores do século XIX. Parece que a escrita é um pouco menos truncada. É um ótimo livro, vai gostar da leitura. Uma história bastante original.
      Obrigado pela visita.
      Grande abraço!

      Curtir

  2. Gostei demais da resenha… Despertou-me um grande interesse no título. Confesso que ainda não tive a oportunidade de me aprofundar na literatura russa, mas me desperta grande interesse. Acho q vou começar por esse. Vlw Alan…

    Curtido por 1 pessoa

    1. Acho que esse é um livro bom para se iniciar na literatura russa. A leitura é um pouco mais leve, se comparada aos clássicos do século XIX. Esse livro, em particular, é bastante moderno e com vários elementos dignos de grandes obras de fantasia. Será um bom ponto de partida, tenho certeza que não vai se arrepender e vai querer conhecer outros autores russos.
      Obrigado pelo cometário.
      Abraço!

      Curtido por 1 pessoa

      1. O site dá ótimas dicas de leitura. Dei uma olhada nessa coleção Leste e têm ótimas opções. Me parece que todos são de autores russos. Com certeza lerei… Obrigado você Alan, sempre atencioso com os frequentadores do site.

        Curtido por 1 pessoa

      2. É muito bom saber que as dicas de leitura que dou são tão boas assim! 😀
        Essa Coleção Leste é mesmo dedicada à literatura russa. A Editora 34 foi pioneira em investir pesado em traduções diretas dos originais em russo. Eles têm um cuidado especial com as traduções.
        Sempre que conseguir, estarei aqui respondendo aos comentários!

        Curtido por 1 pessoa

Deixe um comentário