“A filosofia de um mestre russo”
Título: A morte de Ivan Ilitch e outras histórias
Autor: Leon Tolstói
Editora: Martin Claret
Ano: 2018
Páginas: 288
Tradução: Oleg Almeida
Encontre este livro na Amazon: https://amzn.to/2uB3gHE
“[…] o casamento sem amor não é um casamento de verdade, é que apenas o amor consagra o casamento e que o verdadeiro casamento é só aquele consagrado pelo amor.” (TOLSTÓI, Leon. Sonata a Kreutzer. In: A morte de Ivan Ilitch e outras histórias. Martin Claret, 2018, p. 111)
Continuando com as publicações de grandes clássicos da literatura russa, a editora Martin Claret apresenta uma edição que contém três grandes obras de Tolstói, um dos principais nomes da literatura mundial.
Um homem, muitos nomes
Isso é apenas uma brincadeira com o fato de Tolstói ser chamado de maneiras distintas por cada editora brasileira que já o publicou. Leon, Liev, Lev; não importa, Tolstói é reconhecido, pelo mundo todo, como um mestre, um gigante da literatura.
Autor de clássicos como ‘Guerra e paz’ e ‘Anna Karenina’, Tolstói é sempre citado como um ícone do realismo. Muitos grandes autores de seu tempo (o século XIX), como Gustave Flaubert, Fiódor Dostoiévski e Anton Tchekhov, elogiaram-no, reconhecendo seu talento.
Suas obras são profundas e grandiosas, tanto em tamanho, quanto em qualidade. São leituras filosóficas, com aprofundamento nos sentimentos e pensamentos de seus personagens. A religião sempre o atraiu, principalmente o Cristianismo, o Budismo e o Hinduísmo, uma característica que aparece em diversas de suas obras.
“Sempre o mesmo. Ora brilha a centelha de esperança, ora se desenfreia todo um mar de desespero, e sempre a mesma dor, a mesma dor e a mesma angústia, e sempre a mesma coisa.” In: A morte de Ivan Ilitch, p.80
Três grandes histórias
Esse livro é composto por três histórias: duas novelas (texto em formato de prosa, um pouco maior que um conto, porém não chegando a ser um romance) ‘A morte de Ivan Ilitch’ e ‘Sonata a Kreutzer’; e um conto, ‘O padre Sêrgui’.
Dentre essas obras, a mais conhecida delas é ‘A morte de Ivan Ilitch’, novela já publicada por diversas editoras brasileiras. Como o título indica, o fato central dessa história é a morte do personagem Ivan Ilitch, um funcionário público que cresceu na vida, sempre subindo de cargo, tornando-se uma pessoa rica. Porém, apenas no final de sua vida ele se dá conta de tudo aquilo que abriu mão em prol de sua ascensão profissional.
Em ‘Sonata a Kreutzer’, Tolstói apresenta o diálogo entre dois personagens que seguem viagem em um trem. A conversa é sobre como um deles acabou por assassinar a própria esposa, um crime que envolve ciúmes, amor, insegurança e machismo. Por fim, temos a história da vida do padre Sêrgui, um ex-militar que, após descobrir a traição de sua noiva, decide se dedicar à religião; algo nada fácil, já que ele precisará lutar contra seus instintos e desejos, a fim de alcançar uma “vida santa”.
“[…] o próprio fato de uma pessoa bem conhecida ter morrido provocou em todos os que estavam a par disso — aliás, como sempre — uma sensação de alegria: Fulano morreu e a gente está viva.” In: A morte de Ivan Ilitch, p. 21
Filosofia e profundidade
Os contos reunidos nesse livro são todos bastantes filosóficos, com algumas características religiosas também, algo do próprio autor. Um acontecimento terrível, como a morte, pode nos fazer repensar a vida. É o que acontece com Ivan Ilitch, que adoece e morre aos poucos, sofrendo a cada dia. Nesse momento de necessidade, ele carece da presença e do amor dos filhos e de sua esposa, pois sua atenção nunca fora voltada à família, mas sim ao emprego, ao sucesso. As pessoas encaram a morte de maneiras diferentes. São os pequenos detalhes que são cultivados diariamente e que uma hora podem fazer falta. Vale ressaltar a sensibilidade de Tolstói para com o fato de que, à beira da morte, ou quando ficamos muito debilitados, nosso estado psicológico é completamente abalado, há uma grande angústia e necessidade de atenção, praticamente um retorno aos primeiros estágios do desenvolvimento humano. É uma leitura que mostra como um psicólogo pode ser importante em um hospital, por exemplo.
Debates sobre os direitos femininos já estavam começando ao redor do mundo na época de Tolstói, fato que compõe um dos pontos principais de ‘Sonata a Kreutzer’, onde um homem não consegue aceitar as mudanças do mundo, alimentando um pensamento extremamente antiquado, alguém que não acredita no amor, mas sim em casamentos arranjados. Seu desejo de ser superior à mulher estraga seu casamento, que é conturbado por brigas e discussões. Qual mulher aguentaria um homem autoritário assim? Porém, o fim desse casamento é trágico, com esse homem cometendo um crime. Ademais, sua visão sobre o sexo é bastante distorcida, o libertino que deseja ser puro (hipocrisia).
Desejos carnais reprimidos é um tema presente em ‘O padre Sêrgui’. A religião — Católica Ortodoxa nesse caso —, é grande repressora dos impulsos sexuais, o que impõe um grande desafio a um homem; não é fácil lutar contra os desejos. Nesse conto há um grande debate religioso, com o personagem Sêrgui tornando-se um eremita, na tentativa de fugir das tentações. Entretanto, por ironia, ele acaba se tornando famoso, um realizador de milagres. Mas será que isso é certo? Recompensador? É possível fugir dos problemas do mundo, ou será mais fácil enfrentá-los?
São três histórias profundas e densas. Uma leitura reflexiva e extremamente recompensadora. Tolstói é um dos maiores autores de todos os tempos.
“[…] Piotr Ivânovitch acalmou-se e passou a averiguar, curioso, os pormenores do falecimento de Ivan Ilitch, como se a morte fosse uma aventura peculiar tão somente a Ivan Ilitch, mas não dissesse respeito a ele próprio.” In: A morte de Ivan Ilitch, p. 28
Sobre a edição
Edição muito bonita. Capa dura, páginas em papel off-white, boa diagramação e margens. Há um diferencial na capa desse livro: a parte laranja, que representa o Sol, é um recorte, ou seja, a capa é “furada” (a cor alaranjada que vemos é a folha de guarda). Um detalhe incomum, que ficou bem legal.
Tradução direta do russo, mais um trabalho do grande Oleg Almeida para a editora Martin Claret, parceria que vem trazendo clássicos da literatura russa com traduções diretas do original. Gosto do estilo desse tradutor, sempre tentando manter-se fiel, optando por utilizar notas de rodapé (que são várias nessa edição) ao invés de adaptar o texto. Oleg já concedeu uma entrevista ao blog. Você pode visualizá-la clicando AQUI.
“Libertam a mulher nos cursos e nas câmaras, porém a consideram um objeto do prazer.” In: Sonata a Kreutzer, p. 150
Conclusão
Com tradução diretamente do russo, feita pelo excelente profissional Oleg Almeida, essa edição (que está linda) contém três grandes histórias de um dos maiores nomes da literatura russa: Leon Tolstói. O leitor terá em mãos as novelas ‘A morte de Ivan Ilitch’ e ‘Sonata a Kreutzer’; e o conto ‘O padre Sêrgui’. São obras escritas com grande densidade filosófica, psicológica e, de certo modo, religiosa. É um livro para quem gosta de ler e refletir a respeito daquilo que foi lido, histórias que levantam um debate, porém sem realmente tomar partido. Tolstói não diz que isso está certo e aquilo está errado, não, ele deixa o leitor pensar e criar a própria conclusão. Um autor indispensável, um dos mais importantes do mundo. Edição que vale muito a pena, até mesmo por conter três obras em apenas uma única edição: é unir o útil ao agradável.
“Se há muito ferro e de que metais se compõem o sol e as estrelas, chega-se rápido a saber isso, mas o que condena a nossa infâmia, é difícil, extremamente difícil sabê-lo…” In: Sonata a Kreutzer, p. 155
Minha nota (de 0 a 5): 4,5
Alan Martins

Parceiro

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.
A morte de Ivan… foi o primeiro livro que li de Tolstói. e a literatura russa entrou em meu universo. ao ler sua resenha, não preciso dizer mais nada. parabéns. um grande abraço.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Esse foi o primeiro livro de Tolstói que eu li, olha que coincidência!
Gostei muito, um grande autor. No meu caso, quem me fez me interessar pela literatura russa foi Dostoiévski. São dois monstros da literatura mundial.
Fico feliz que tenha gostado da resenha. Obrigado!
Grande abraço.
CurtirCurtir
Coincidência autoral: estou relendo, depois de muitos, mas muitos anos mesmo, Ana Karenina! Bom final de semana!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Esse eu pretendo ler em breve. Um baita de um calhamaço! Mas deve ser um livro incrível. Qual a sua edição?
Obrigado pelo comentário.
Grande abraço e bom final de semana!
CurtirCurtir