Minhas Leituras #70: Mrs Dalloway – Virginia Woolf

Capa do livro Mrs Dalloway, Autêntica

“Um romance envelhecido”

Título: Mrs Dalloway
Autor: Virginia Woolf
Editora: Autêntica
Ano: 2013
Páginas: 272
Tradução: Tomaz Tadeu
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“Pois a verdade (que ela continue sem saber) é que os seres humanos não têm bondade, nem fé, nem caridade, nada para além daquilo que serve para aumentar o prazer momentâneo”. (WOOLF, Virginia. Mrs Dalloway. Autêntica, 2013, p. 91)

Na tentativa de fugir dos padrões estabelecidos para a escrita de um romance, Virginia Woolf finalmente conseguiu criar algo inovador para sua época, ‘Mrs Dalloway’, um de seus livros mais importantes.

Vida sofrida

Podemos dizer que, no mínimo, a vida de Virginia Woolf foi sofrida. Nascida em 1882, em Londres, desde cedo pegou gosto pela leitura e pela escrita., muito estimulada por sua mãe e, principalmente, por seu pai, Leslie Stephen, um proeminente autor.

Casou-se com o autor e editor Leonard Woolf. Juntos, montaram uma editora, a Hogarth Press, que publicava os livros do casal e também os de vários novos autores ingleses (a Hogarth Press foi a primeira a editar as obras de Sigmund Freud no Reino Unido).

Até aqui, parece que a vida da autora foi “perfeita”. Porém, após a morte de sua mãe, em 1895, sua saúde mental nunca mais foi a mesma. Provavelmente ela sofria de um transtorno bipolar, apresentando fugas da realidade. Por diversas vezes, ao longo de sua vida, Virginia Woolf tentou o suicídio. Os tratamentos para transtornos mentais ainda não eram muito desenvolvidos em sua época. A maneira como os psiquiatras lidavam com seus pacientes era algo que a autora costumava criticar

Em 1941, sua tentativa de suicídio concretizou-se. Morreu afogada, após atirar-se no rio Ouse, que ficava próximo à sua casa. Virginia deixou um grande legado para a literatura e contribuiu para o movimento modernista. Seus trabalhos expressam uma grande tentativa de dar vozes às mulheres, que não tinham muita liberdade (política, sexual ou social) no início do século XX.

“Era lamentável, nisso eles concordavam, o pouco que as pessoas se se conheciam.” p. 153

Enredo simples

O enredo de ‘Mrs Dalloway’ é bem simples e pode ser resumido em um ou dois parágrafos; por esse lado, o romance não tem nada de inovador (a história é até um tanto sem graça e envelhecida, falando sobre características bem específicas de uma época).

Tudo acontece em Londres, ao longo de apenas um dia da vida de Clarissa Dalloway; sim, apenas um dia. Casada com Richard Dalloway, que trabalha no governo, ela pretende dar uma festa, convidando apenas membros da alta sociedade londrina. Ela não é fã desse estilo de vida, todavia, é assim que mantém sua sanidade. Até que o enredo culmine nessa tão aguardada festa, Clarissa irá reencontrar pessoas do seu passado, amigos e antigas paixões.

Alguns dos temas abordados nesse romance são, em sua maioria, reflexos da vida de sua autora. Virginia passou a vida lidando com um grande sofrimento psíquico, e isso se refletiu em alguns de seus personagens, como em Septimus, veterano da Primeira Guerra Mundial, que sofre de um transtorno de estresse pós-traumático.  Esse personagem apresenta alguns dos delírios que a própria autora costumava apresentar (como ouvir vozes). Além da saúde mental, outros temas abordados são os papéis sociais, principalmente o da mulher, uma crítica à alta sociedade britânica e ao imperialismo, e algumas leves insinuações de homoerotismo, também um reflexo da autora, que se apaixonou por uma mulher na vida real.

“Mas nada é tão estranho quando se está apaixonada (e que outra coisa seria isso senão estar apaixonada?) quanto a completa indiferença das outras pessoas.” p. 36-37

Fluxo de consciência

Se o enredo é assim tão simples, como pode tomar tantas páginas (a narrativa se desenrola ao longo de um pouco mais de 190 páginas na presente edição)? Isso se deve à técnica fluxo de consciência, muito empregada por Virginia Woolf, e também por outros autores de seu tempo, como Proust e James Joyce. A maior parte daquilo que é narrado em ‘Mrs Dalloway’ não são acontecimentos externos, mas sim internos, os pensamentos dos personagens. Suas lembranças e sentimentos jorram em fluxo, como a correnteza de um rio. Esse tipo de narrativa preenche as páginas de maneira “desordenada”. A intenção da autora foi a de fugir dos padrões de escrita de sua época, por isso a leitura não é tão linear, mas sim dinâmica, focando em um elemento ou personagem diferente a cada momento, com mudanças, às vezes, abruptas.

Esse estilo foi inovador em 1925, quando o livro foi publicado pela primeira vez, porém, hoje, já não tem o mesmo efeito de antes, não é uma obra que envelheceu bem. A leitura é um tanto quanto cansativa, ainda mais pelo enredo simples, que se passa ao longo de um único dia (ler os pensamentos dos personagens cansa, os diálogos são escassos).

Dostoiévski foi uma grande inspiração para Virginia Woolf, e ele já fazia algo muito semelhante ao descrever os pensamentos conflitantes de seus personagens, como vemos, principalmente, em ‘Crime e Castigo’ (CLIQUE para ler minha resenha). A escrita do mestre russo é mais interessante do que a da autora britânica, e, atualmente, temos autores que escrevem, nessa pegada, de maneira muito mais interessante (ainda bem que as técnicas avançam!).

“Uma vida inteira era demasiadamente curta para extrair, agora que se adquirira essa capacidade, todo o sabor; para extrair cada grama de prazer, cada nuance de sentido […]” p. 81

Sobre a edição

Edição muito bonita, realmente de luxo. Capa dura com sobrecapa, miolo em papel Pólen Bold (páginas espessas), ótima diagramação e margens de bom tamanho. Há alguns extras, como um mapa da cidade de Londres (onde o enredo se passa) impresso na folha de guarda, notas sobre esse mapa, uma introdução escrita pela própria autora, sua cronologia e um índice onomástico.

A tradução ficou por conta de Tomaz Tadeu, que realizou um excelente trabalho, com muito cuidado e dedicação, apesar de esta ser a sua primeira tradução de prosa (até então, ele só havia traduzido obras acadêmicas). Seu currículo mostra sua competência, e a terceira colocação na categoria Tradução do Prêmio Jabuti de 2013, prova a qualidade de seu trabalho em ‘Mrs Dalloway’. Tadeu também escreveu dois textos sobre a autora e sua obra, que completam os extras dessa edição.

“Pois no casamento deve haver uma certa liberdade, uma certa independência entre pessoas que vivem juntas dia após dia na mesma casa […]” p. 09

Conclusão

Romance que marcou uma época e ajudou a revolucionar o movimento modernista da literatura inglesa. Muito importante historicamente, mas que hoje se mostra envelhecido. O enredo é bem simples; o que realmente preenche as páginas são os pensamentos dos personagens, que jorram ao longo do texto, de forma não-linear, característica da técnica fluxo de consciência, muito utilizada por Virginia. Ler esse fluxo de pensamentos não é tão interessante assim, pode até ser cansativo. Os temas abordados nesse romance são de grande relevância, apresentando críticas ao modelo de tratamento empregado pelos psiquiatras do início do século XX, que isolavam o paciente de sua família e da sociedade, assim como críticas aos papeis sociais, principalmente o da mulher. Vale a pena a leitura, porém esteja preparado para um estilo denso e um tanto quanto fora do comum.

“Mas o desastre a gente esconde.” p. 18

Minha nota (de 0 a 5): 3

Alan Martins


Encontrei um interessante trabalho, que discorre sobre as traduções brasileiras de ‘Mrs Dalloway’: http://repositorio.unb.br/


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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

10 pensamentos

  1. Acabei recentemente de ler ” Ao Farol” de Virgínia Woolf da mesma editora que publicou esse livro e adorei a leitura. A forma que Virgínia adentra no interior dos personagens e aos poucos mostra ao leitor os pensamentos, vontades, e frustrações, seja pelo monólogo ou pelo fluxo de consciência me trouxe uma nova perspectiva de ver como funciona a mente humana e de como a autora conseguiu inovar a literatura da época com esse estilo. Mrs Dolloway está na minha lista de próximas leituras.
    Ótima resenha!

    Agnes

    Curtido por 1 pessoa

    1. O estilo dela é bem parecido com o de Dostoiévski. Dentre os dois, prefiro o russo, a forma que ele escreve é um pouco menos cansativa e mais interessante, ele foi uma grande inspiração para ela. ‘Ao farol’ está na minha lista, pretendo ler em breve. Algo me diz que esse livro parece ser mais interessante que ‘Mrs Dalloway’. Só lendo para saber!
      Obrigado pela visita.
      Abraço.

      Curtido por 1 pessoa

  2. Ainda não li nenhum livro da Virgínia Woolf, e é a primeira vez que leio algo referente a sua biografia ~achei bem trágico.

    Mas a minha citação favorita é uma frase que a internet diz ser dessa autora: “Escrever é que é o verdadeiro prazer, ser lido é um prazer superficial”. Não sei em que contexto foi dito isso, mas eu gosto e me identifico com essa frase.

    Sobre o livro: um romance que se passa num dia só???? Mas gente…

    Curtido por 1 pessoa

    1. A vida dela foi bem trágica mesmo, e esse fato se refletiu em suas obras. Ler seus livros é, também, ler sua vida.
      Então, a história começa numa manhã e termina à noite, com a festa que a protagonista dá. Tudo narrado acontece em apenas um dia. Por isso disse que o enredo é bem simples, o que vai dar corpo ao livro é o fluxo de consciência (os pensamentos dos personagens falam sobre o passado e explicam algumas coisas). Gostar ou não desse fluxo de consciência é algo bem pessoal. Vai encarar esse livro?

      Curtido por 1 pessoa

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