“Ficção ou realidade?”
Título: Ficções
Autor: Jorge Luis Borges
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2007
Páginas: 176
Tradução: Davi Arrigucci Jr.
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“A verdade é que vivemos adiando tudo o que é adiável; talvez todos nós saibamos no fundo que somos imortais e que, cedo ou tarde, todo homem fará todas as coisas e saberá tudo.” (BORGES, Jorge Luis. Funes, o memorioso. In: Ficções. Companhia das Letras, 2007, p. 105)
A obra com a qual Jorge Luis Borges obteve reconhecimento internacional é uma coletânea de contos, onde a realidade e a ficção se fundem, criando narrativas únicas.
Mestre argentino
Borges nasceu na capital argentina — Buenos Aires —, em 1899. Passou boa parte da adolescência em Genebra, onde faleceu em 1986, vítima de um câncer no fígado.
Dedicou-se à escrita durante toda sua vida, mesmo após ficar completamente cego, aos cinquenta e cinco anos de idade. Além de ficcionista, foi poeta e também tradutor, pois era fluente em diversos idiomas. Seu forte era o conto. Todos os seus livros mais conhecidos são antologias de contos. Não seria exagero afirmar que Borges foi um dos maiores contistas de todos os tempos. Philip K. Dick, que também gostava de escrever contos, via o argentino como uma de suas maiores influências literárias.
Assim como James Joyce, Fernando Pessoa, Virginia Woolf e Jorge Amado, Jorge Luis Borges faz parte de um seleto grupo de autores influentes que não receberam o Nobel de Literatura. Todavia, o leitor crítico sabe que prêmios não querem dizer muita coisa, apesar de serem importantes. Um grande autor deixa sua marca na história da literatura, tenha recebido o Nobel ou não, e foi isso o que Borges fez.
“‘Pensar, analisar, inventar [escreveu-me também] não são atos anômalos, são a respiração normal da inteligência’.” In: Pierre Menard, autor do Quixote, p. 44
Título que diz tudo
Quando iniciamos a leitura do primeiro conto deste livro, parece que estamos lendo fatos, uma história sobre algo que realmente existe (ou existiu). Mas aí nos lembramos do título dessa antologia e passamos a nos questionar: “isso que estou lendo é real mesmo, ou é tudo inventado?”
Uma resposta mais precisa seria: ambos. Borges utilizou fatos para compor estes contos. Há a inclusão de pessoas reais, fatos históricos, mas tudo inserido num cenário fantasioso, fictício.
O autor trabalhou durante muitos anos em bibliotecas — até se tornou diretor da Biblioteca Nacional Argentina —, e isso acabou se refletindo em algumas de suas histórias, principalmente naquelas que falam sobre livros fictícios. Esse tipo de conto me lembrou o estilo de H. P. Lovecraft, que também gostava de inventar tomos mágicos, com toda uma mitologia por trás.
‘Ficções’ é, na verdade, composto por dois livros, duas coletâneas de contos: ‘O jardim de veredas que se bifurcam’ (1941) e ‘Artifícios’ (1944). São contos de gêneros variados, contendo contos fantásticos, e até mesmo policiais. É difícil se aborrecer ao ler este livro.
“Outra por fim, não menos vil, argumenta que é indiferente afirmar ou negar a realidade da tenebrosa corporação, porque a Babilônia não é outra coisa senão um infinito jogo de acasos.” In: A loteria na Babilônia, p. 61
Curto, mas nada simples
Este livro é bem curto. Disse que o estilo de Borges, às vezes, me lembrou Lovecraft; o que eu não disse é que o autor argentino tem uma vantagem: seus contos são curtos e diretos, dizem muito em poucas palavras, diferente do estadunidense, que costumava enrolar muito, deixando suas histórias enfadonhas, cansativas. Jorge Luis Borges é sucinto.
Curto ou longo, não são fatores que tornam uma história simples ou não. Tudo depende da habilidade do autor. Borges possuía muita habilidade para escrever contos. É muito mais gostoso ler um conto de poucas páginas, mas cheio de conteúdo, do que um conto longo, cheio de enrolações, de informações desnecessárias.
Com isso não quero dizer que ‘Ficções’ é um livro complexo, difícil de ser lido. Muito pelo contrário, o nível da leitura não é nada simples, porém nenhum bicho-papão. O maior desafio, talvez, seja o de descobrir onde a realidade termina e onde a ficção começa. É uma linha bem tênue, fruto de um autor talentoso e inteligente.
Dentre os contos, destaco ‘O jardim de veredas que se bifurcam’, ‘A morte e a bússola’ e ‘O fim’.
“A escrita metódica me distrai da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas.” In: A biblioteca de Babel, p. 78
Sobre a edição
Edição comum, que faz parte da coleção Biblioteca Borges, publicada pela Companhia das Letras. Brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Soft e boa diagramação. Apesar de minha edição ser uma reimpressão de 2018, a grafia ainda não está atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Davi Arrigucci Jr., o tradutor (que também é autor de diversos livros e ensaios), executou um bom trabalho de tradução, que inclui algumas notas de rodapé.
“Não há exercício intelectual que não seja afinal inútil.” In: Pierre Menard, autor do Quixote, p. 43
Conclusão
Não é preciso uma torrente de palavras para dizer muito, e ‘Ficções’ está aí para provar isso. Antologia composta por contos bem curtos, mas cheios de conteúdo, histórias que fazem o leitor refletir. Tentar alongar demais um conto pode deixá-lo enfadonho, uma leitura maçante. Borges conhecia a medida exata para um conto ficar perfeito. Como o título do livro indica, tudo é ficção, embora possa parecer se tratar de fatos. É que, com muita habilidade, o autor mesclou realidade e ficção, criando histórias fantásticas, que parecem reais. Ao longo da leitura, vamos viajar entre diversos gêneros da ficção literária, principalmente pelo fantástico. Jorge Luis Borges é um dos maiores nomes da literatura argentina e mundial. É justo dizer que ele foi um dos contistas mais habilidosos de todos os tempos, além de um dos autores mais influentes do século XX.
“Recordou-se de que os sonhos dos homens pertencem a Deus e que Maimônides escreveu que são divinas as palavras de um sonho, quando são distintas e claras e não se pode ver quem as disse.” In: O milagre secreto, p. 141
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins

Parceiro

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Alguém saberia dizer qual é o artista e o nome da obra cuja imagem foi usada na capa? Lembro que está no Museu de Arte Contemporânea, da USP, mas não me lembro mais as referências. E como as editoras brasileiras muitas vezes “esquecem” de dar os créditos, não encontrei a informação na internet.
Abraços e parabéns pela resenha, Alan.
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Olá, Danilo. Tudo bem?
Obrigado pela mensagem. Fico feliz em tê-lo por aqui!
Em uma das orelhas do livro, lê-se as seguintes informações a respeito da capa:
Aluisio Carvão
Composição em vermelho e preto, 1950
Óleo sobre tela, 60×60 cm
Coleção Ana Maria e José Paulo Gandra Martins
Reprodução Luigi Stavale
Espero que esta resposta possa ajudar!
Abraço.
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Tenho esse livro a um bom tempo e ensaio para ler rs mas não é falta de vontade não, viu? Acho que é a preguiça porque sei que a leitura vai demandar muito de mim. Mas depois desse post acho que vou acabar lendo logo, ele merece! Rs
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Vou deixar você mais tranquila então! O livro não é difícil, não será uma leitura que demandará muito. Talvez, pelo nome do autor, possa surgir um certo receio, mas garanto que não é nada complicado. Você vai gostar de ter iniciado a leitura! Pode ir, sem medo. Me diga depois o que achou!
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Aaah, que alívio! Pode deixar que conto sim, obrigada!
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Eu que agradeço a visita!
Abraço. 🙂
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Eu amo Borges!!!
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Passei a me interessar mais por ele após essa leitura!
Você já leu vários livros dele?
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Sim, eu amo o realismo fantástico de Borges! Tb li algumas poesias. Meu conto favorito dele está no “Livro de areia”, em que ele se encontra consigo mesmo… é genial!
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Borges! lenda, realidade, pouco importa, cada livro uma pampa a ser descoberta. em nível pessoal, considero-o genial. li vários dos seus livros e quando passo pela segunda vez, parece-me ainda mais incrível. belo post, Alan. um grande abraço.
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Tenho ‘O Aleph’ e ‘O livro de areia’ para serem lidos. Depois de ‘Ficções’, meu interesse aumentou muito. Um grande autor, nosso vizinho. É interessante como ele fala muito do Brasil nesse livro, principalmente da região Sul, gaúchos. É uma grande aproximação.
Obrigado pela visita.
Abraço.
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Um escritor pra lá de enigmático. O livro de areia, Emma Zuns, A biblioteca de Babel, O aleph… textos mais que instigantes. Dizem por aí que, na verdade, quem escrevia mesmo era o Bioy Casares e que ele, o cego, criou um jogo de imagens se dizendo o autor. Ambos, a ser verdade o que dizem, fizeram a brincadeira de comum acordo e acabou “pegando”… Mas vai saber né… Ficções, afinal… Abraço e bom final de se
mana!
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Assim como no livro, essa história pode ser apenas mais uma ficção! Vale muito a pena conhecer a literatura argentina, é muito rica.
Abraço. Um ótimo domingo!
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Do Borge já li ‘A história da eternidade’. Curto mas denso e com uma concepção filosófica bastante rica 🙂 Ele é um verdadeiro mestre!!!
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‘Ficções’ foi o primeiro livro dele que li. Tenho mais dois aqui, que pretendo ler em breve. Gostei do estilo direto, contos curtos que não precisam ficar enrolando. A literatura argentina é bem rica. Se você gostou desse livro que leu, recomendo que conheça ‘Ficções’! 😀
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É mesmo, sim! Eu gosto, no geral, muito da literatura e poesia da América Latina (amo a Gabriela Mistral, o realismo mágico do Gabo e a Clarice Lispector ). Mas li, há pouco tempo, o ‘Bestiário’, do Cortázar, e os contos também têm esse lado conciso mas a resvalar para o surreal. Tenho aqui o Rayuela para ler, não sei que nome terá no Brasil 🙂 Vou tentar encontrar, sim, o Ficções, será uma das próximas leituras 🙂
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A Companhia das Letras, aqui no Brasil, conseguiu os direitos de publicação do Cortázar. Pelo jeito vão fazer algo bem parecido, uma coleção do autor. Quero conhecer as obras de Cortázar também, outro grande autor argentino.
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Vale muito a pena, sim. Vais gostar. Abraço e boa semana.
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