A alienação mental contemporânea

Medicamentos, psicofármacos, vitaminas
Imagem de Stevepb, publicada sob Licença (CC0 1.0). Disponível em: https://pixnio.com/.

A loucura, entre os séculos XII e XII, recebeu status de alienação mental, dessa forma acabou sendo considerada uma “doença mental”. A partir dessa concepção as práticas psiquiátricas tornaram-se dispositivos alienantes sobre a loucura. Todas estratégias de intervenção, como o internamento e o isolamento, acabaram por produzir a própria alienação mental. A loucura era considerada uma característica de estar “fora-de-si”.

O internamento era justificado como uma forma de isolar o louco da sociedade, afim de protegê-la da periculosidade que ele representava, já que a doença mental era comparada à criminalidade. Existia uma grande segregação, uma espécie de higienização social. Afirmavam que a internação era para o bem do louco, quando na verdade eram as pessoas que o temiam e queriam manter distância.

Nunca houve uma clara definição da loucura no passado, dessa forma os considerados loucos eram alocados em asilos ou prisões junto de outros indivíduos, como doentes da lepra, indigentes, criminosos. A cura psiquiátrica caracterizava-se como um tratamento moral.

No século XIII, a medicina social foi definida por medidas de quarentena e mecanismos de exclusão. A psiquiatria se desenvolveu nesses mesmos axiomas e a loucura viu-se aprisionada dentro desta lógica. O trabalho da psiquiatria visava uma higienização pública antes mesmo de funcionar como campo de produção de conhecimento.

Todo o saber sobre a loucura dessa época foi regido pela psiquiatria. O sujeito doente sequer podia responder por suas responsabilidades. Ao invés de ajudar, as práticas psiquiátricas contribuíam para a patologização do sujeito. O fato de o psiquiatra possuir autoridade inquestionável já funcionava como um dispositivo de alienação. As práticas de cuidados com os loucos não visavam uma cura de maneira romântica, mas sim a solidificação do poder do psiquiatra sobre aqueles que estavam em sofrimento psíquico.

A visão atual

Hoje, há um grande esforço para a extinção de instituições como manicômios e instituições de reclusão. A ideia atual é a de substituir esse tipo de instituição por serviços que não visam o internamento, como como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleo de Apoio Psicossocial (NAPS), que trabalham de maneira mais humanizada, com um olhar focado não apenas na doença, mas sim no sujeito como um todo. Uma visão biopsicossocial.

Observamos no século XXI uma banalização em relação ao uso de psicofármacos para o tratamento de desconfortos emocionais ou angústias. A psicopatologia na contemporaneidade ganhou classificações a partir de manuais, tais como os DSMs (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde). Os diagnósticos de depressão e síndrome do pânico tornaram-se algo comum. O uso de medicamentos é de extrema importância em casos de psicoses com surtos frequentes, ou de depressão severa, porém o uso indiscriminado acaba por rotular e alienar o paciente. A busca por resultados imediatistas acaba por fazer a pessoa se medicamentar quando sentir qualquer tipo de desconforto, por mais leve que seja. Psicofármacos possuem alto grau de dependência, é preciso cuidado no manejo desse tipo de medicamento.

É necessário ter certo cuidado em relação a diagnóstico, que hoje funciona como um dispositivo alienador, pois ao receber determinado “rótulo”, a pessoa o internaliza, transformando-se realmente naquilo que esse rótulo diz. O sofrimento mental é visto como algo exterior, uma doença, como um vírus. Entretanto, para compreender o sujeito e sua atual condição, é necessário todo um cuidado e um olhar que vão além da doença.

Dizem que estamos vivendo a pós-modernidade e seu discurso impõe um ritmo acelerado, imediatista, que não garante ao sujeito o direito de vivenciar suas angústias e tristezas, a pessoa não tem tempo para o processo de melhora, ela precisa estar boa já, de imediato. Há uma forma considerada ideal e aceitável de viver, existem padrões impostos, além de uma estimulação para o consumo desenfreado. Tudo isso propicia formas de subjetivação que sugerem depressão ou angústia. É aí onde entra o uso indiscriminado de medicamentos, funcionando como uma maneira de camuflar todo comportamento não aceitável socialmente e sofrimento interiorizado.

Alan Martins

Referência Bibliográfica

TAVARES, L. A. T.; HASHIMOTO, F. Alienação mental e suas (re) produções na contemporaneidade. SPAGESP, 9-2, p. 3-12, jul./dez. 2008.


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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

19 pensamentos

  1. Hoje em dia existem formas de tratar até mesmo a psicose sem o uso de medicamento. O uso indiscriminado de medicamentos é evidente até mesmo para as chamadas doenças esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo. Não há evidências o suficiente que comprovem a teoria dopaminérgica e é uma infelicidade saber que boa parte da população, incluindo profissionais da saúde, compram essa ideia.

    Não sou 100% contra os medicamentos para tratamentos de transtornos mentais, mas o a internação involuntária e compulsória e a medicação forçada são violações severas dos direitos básicos de um ser humano. Projetos como os modelos de casa Soteria e Diálogo Aberto da Finlândia mostram maneiras muito mais eficazes e humanizadas de tratamento de pessoas com transtornos mentais.

    Infelizmente, as notícias mostram que o Brasil está retrocedendo e dando pouco valor à luta antimanicomial. Como pessoa já diagnosticada com esquizofrenia (agora transtorno esquizoafetivo) e já internada em hospital psiquiátrico, devo dizer que é uma vergonha hospitais psiquiátricos de “renome” ainda não obedecerem as normas da lei Nº 10.216 e ainda não termos uma única unidade de referência nacional que sigam modelos de tratamento como as das casas Soteria.

    A coisa tem que mudar, senão a melhor opção é se mudar desse país.

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    1. Nisso já entram interesses externos, como os de quem fabrica medicamentos e as pessoas que lucram ao utilizarem. Pode-se dizer que existe uma indústria da “loucura”. Enquanto o interesse em lucrar for maior que o interesse em ajudar, ainda continuaremos nessa situação deplorável. O imediatismo compra a ideia de que o medicamento é uma solução rápida, mas é uma solução rápida não para uma cura, mas sim para a alienação, a dependência. É triste ver o Brasil retroceder. Não podemos deixar que isso aconteça.
      Obrigado pelas suas colocações.
      Grande abraço.

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    1. É a doença do século e uma das mais banalizadas e romantizadas, dois grandes erros. É um assunto que deve ser tratado com seriedade, e a medicação descontrolada é um dos desafios quanto a isso. Muita gente sofre e não é brincadeira.
      Obrigado pela visita. Fico feliz que tenha gostado do artigo!
      Abraço. 🙂

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      1. E como deve ser tratada com seriedade! Eu, na minha ignorância, vivi muitos anos acreditando que “depressão = frescura” até acometer pessoas do meu convívio. Se para nós, de fora, sentimos dificuldades em lidar com pessoas depressivas, imagina quão difícil é sentir isso na pele. Hoje tenho mais empatia por quem sofre disto e meu ponto de vista torpe, foi substituído por conhecimento. Sei que palavras, paciência e remédios ajudam e com certeza, como é importante frisar a medicação descontrolada, é um novo problema dentro do universo complexo desta doença, que se dissemina tão rapidamente. E tuas palavras finais “funcionando como uma maneira de camuflar todo comportamento não aceitável socialmente e sofrimento interiorizado”, foram muitíssimo bem colocadas. Gostei bastante, tu escreve muito bem, inclusive artigos científicos. Abraços! 🙂

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      2. Obrigado pelas palavras, é muito bom ler esse tipo de comentário. Mas os autores do artigo no qual me baseei merecem a maior parte dos créditos, eu não teria escrito o post sem ter lido o que eles escreveram. Recomendo a leitura desse artigo também.
        É importante saber que minha explicação sobre o assunto ficou clara. Importante para que eu possa melhorar ainda mais a clareza dos textos.
        Sua mudança de pensamento é o que deveria acontecer com mais gente, não é todo mundo que consegue ter empatia e paciência para compreender o outro. Olha, isso é algo que falta muito.

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  2. Na faculdade de psicologia realizei algumas visitas a um hospital psiquiátrico. Os pacientes era ultra medicados, e eram submetidos a essa despersonificação sob a justificativa da segurança e do bem-estar, para vaguearem inertes entre médicos e estudantes. Mas pensavam na segurança e no bem-estar de quem?

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    1. Deve ter sido uma experiência e tanto!
      Pois é, a segurança que pensando na segurança dos funcionários e das pessoas de fora, não na de quem está internado. é uma situação bem triste encontrar locais que ainda funcionam dessa maneira. A Luta Antimanicomial teve muitos avanços, porém ainda existem desafios a serem superados. É importante profissionais da área serem críticos em situações do tipo.
      Obrigado pelo comentário.
      Abraço.

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  3. Alan, tem um outro livro do Tavares que é excelente e fala um pouco disso que você abordou, sobre os diagnósticos de depressão na atualidade e a medicalização excessiva. Não cheguei a ler ele todo, mas os capítulos que li trazem abordagens e análises muito pertinentes. É o “Depressão como ‘mal-estar’ contemporâneo”. Abraço!

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    1. Que bacana. Você chegou a conhecê-lo pessoalmente ou conhece apenas o livro? Ele foi meu professor na faculdade, um grande pesquisador da psicanálise, mas com esse lado crítico também. Eu não li esse livro, já li alguns artigos dele, esses com tom mais crítico. É uma boa abordagem sobre o que ocorre hoje na área da saúde mental. Mas vou procurar pelo livro, talvez a biblioteca da faculdade o tenha disponível. Se você procurar na internet, vai encontrar mais artigos dele. Recomendo.
      Obrigado pela visita.
      Abraço!

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  4. O desenvolvimento pessoal também acarreta uma certa dose de tristeza. É um sentimento que, se existe, é porque lá deve ter a sua função 😀 — o confronto ou a percepção daquilo que nos faz bem e daquilo que nos faz mal. Em certa medida ajuda a avaliar-nos de uma forma mais introspectiva e, a posteriori, caminhar para sentimentos mais catárticos. Eu, a isto, chamo ser-se realista e maduro. É assim que vejo as coisas. O problema é mesmo quando se torna em algo crónico e retira a funcionalidade básica do dia-a-dia. Também não romantizo isso porque a pessoa está a perder a oportunidade de ser ela própria. Mas é incrível a facilidade com que se prescrevem anti-depressivos sem a pessoa ser capaz de avaliar mesmo o porquê. Talvez porque, se o fizesse, teria de fazer alguma mudança de rumo que não seria conveniente. Mas assim, com o comprimido, um pouco mais relaxado e sonâmbulo, sem levantar problemas, lá se continua. Na sociedade do imediato é só isso que importa, o que é uma pena, porque acabamos por perder muita coisa — em especial aquilo que somos. Abraço Alan 🙂 e desde já bom fim-de-semana que já está perto. 😉

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    1. Essa prescrição indevida de medicamentos tem muito a ver com a sociedade do imediato, acreditam que o medicamento fará um efeito instantâneo, sequer tiram um tempo para refletir, buscar se compreender. O que importa é estar “saudável”. Porém, esse tipo de medicamento só começa a fazer efeito no Sistema Nervoso Central após alguns dias, ou mais de uma semana. Nem param para pensar no risco da dependência. Podemos criticar os médicos que prescrevem, por não olharem para seu cliente, mas apenas para a doença, que às vezes nem é doença. Tem muita coisa que precisa ser melhorada e precisamos ser críticos quanto a isso.
      Obrigado pelos seus apontamentos!
      Grande abraço, um ótimo final semana para você também!

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