“E se as forças do Eixo tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial?”
Título: O homem do castelo alto
Autor: Philip K. Dick
Editora: Aleph
Ano: 2006
Páginas: 304
Tradução: Fábio Fernandes
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“Sim, o romancista conhece a humanidade, sabe como ela não vale nada, governada por seus testículos, controlada pela covardia, traindo qualquer causa por ganância […]” (DICK, Philip K. O homem do castelo alto. Aleph, 2006, p. 148)
Romance que narra uma história alternativa sobre o mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Como seria se as forças do Eixo tivessem vencido a Guerra? Philip K. Dick imaginou como seria esse mundo, nesse livro que, em 2015, foi adaptado em uma série homônima, produzida pela Amazon.
Filósofo da ficção científica
Philip K. Dick afirmava ser uma espécie de filósofo, não um que escreve a filosofia em si, mas sim um que escreve ficção, dizendo a verdade a partir de sua obra. E sim, seus romances possuem um toque filosófico, sempre uma dualidade: real/falso, humano/não-humano.
Podemos observar essa dualidade em livros como ‘Androides sonham com ovelhas elétricas’ (clique e veja minha resenha), onde o protagonista, um caçador de androides rebeldes, precisa utilizar um teste de empatia para descobrir quem é humano e quem é máquina. Excelente obra de ficção científica, na qual o filme ‘Blade Runner’, de 1982, baseou-se.
Muitas de suas obras também foram adaptadas para o cinema, como o filme ‘O vingador do futuro’, de 1990, baseado no conto ‘Lembramos para você a preço de atacado’. Dick foi um autor de grande importância para a ficção científica, inspiração para diversos autores, com essa importância expandindo-se ao cinema. Faleceu jovem, aos 53 anos, vítima de um AVC. Deixou muitas obras inacabadas, como uma sequência de ‘O homem do castelo alto’.
“Isso vai acabar, pensou Childan. Um dia a própria ideia de posição. Não mais governados e governantes, mas gente.” p. 15
Mundo alternativo
O trabalho de Dick para esse livro baseou-se em muita pesquisa sobre a Segunda Guerra Mundial, sobre o nazismo e sobre os japoneses. Nesse universo alternativo, a Guerra terminou em 1947, com a vitória das forças do Eixo (Japão Imperial, Alemanha nazista e a Itália fascista). Esse cenário apresenta o mundo dominado pelo Japão e pela Alemanha; apesar da vitória, a Itália não possui tanto poder, obtendo apenas o domínio do Mediterrâneo e no Norte da África. O restante do mundo está dividido entre as duas grandes potências.
Hitler ainda vive, mas encontra-se incapacitado devido a complicações da sífilis. O chanceler alemão, agora, é Martin Bormann. As atrocidades do nazismo continuaram, houve um novo holocausto, dessa vez na África. Os judeus foram quase todos exterminados da face da Terra e os poucos negros que ainda vivem tornaram-se escravos. A exploração espacial começou, com os alemães colonizando outros planetas.
Diferente dos alemães, os japoneses não investiram tanto em tecnologia, sua expansão é mais em nível econômico, comercial. Possuem o domínio da maior parte da Ásia, Oceania e América do Sul. Os Estados Unidos foram divididos entre Japão (costa Oeste) e Alemanha (costa Leste). A região central é um Estado neutro. É nesse país dividido, principalmente na costa Leste, agora conhecida como Estados Americanos do Pacífico (EAP), que o enredo se desenvolve.
“Podemos viajar para onde quisermos, até para outros planetas. E para quê? Para ficar esperando dia após dia, a moral e a esperança definhando.” p. 173
Impedindo uma nova catástrofe
Não existe uma personagem principal nesse livro. O enredo não se prende à uma pessoa, mas sim narra a história de diversas personagens, que se conectam de certa forma. Existe um complô contra o Japão, essa parte é narrada como uma história de espião, com mais ação. Há a história de um vendedor de antiguidades, que se conecta à de um judeu disfarçado, que está ligado à uma farsa comercial. Dick também nos conta sobre o mistério do livro ‘O gafanhoto torna-se pesado’, que fala sobre uma história alternativa, onde os Aliados venceram a Guerra; obra proibida em território controlado pelos nazistas, porém muito popular nos EAP.
Eu esperava algo um pouco diferente, mais detalhes sobre o mundo dominado pelas forças do Eixo. Não que o livro seja ruim por conta disso, na verdade é um livro muito bom e com uma visão bem realista, entretanto, essa questão de um mundo dominado pelos japoneses e alemães fica como pano de fundo para o real enredo. Não é bem um livro de ficção científica, mas sim uma obra bastante política sobre um mundo alternativo.
A conexão entre as personagens não é casual, mas acontece por conta da parte esotérica da obra. A cultura do budismo é muito difundida nos territórios dominados pelo Japão. Muitas pessoas consultam o oráculo ‘I Ching’ ou ‘O livro das mutações’ para tomar decisões e “ver” o que o futuro reserva. O uso desse livro dentro da obra é muito interessante, uma parte importante do enredo.
Livro de leitura rápida e gostosa; apesar de ser um pouco diferente do que imaginei, a leitura fluiu, as páginas viravam com velocidade constante. Personagens interessantes, com tramas distintas e intrigantes. O final fica em aberto, não há exatamente um desfecho. O autor pretendia escrever uma continuação que nunca conseguiu desenvolver, o que é uma pena, pois ele ainda teria muita história para contar sobre esse universo alternativo.
“Não se pode ter sorte e catástrofe simultaneamente.” p. 63
Sobre a edição
Edição comum, brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Soft de boa gramatura, diagramação e margens de bom tamanho. A Aleph publica os livros de Philip K. Dick com um padrão de capa (estilo de arte geométrico, com o título em um adesivo colado sobre a capa), o que é bem legal e deixa a estante bonita.
Tradução de qualidade, feita por Fábio Fernandes, que já traduziu diversas obras de ficção científica para a Aleph, um fã do gênero e de PKD. Ele até utilizou a edição brasileira do ‘I Ching’ para criar uma tradução de maior qualidade, mais fiel. Apesar de o livro encontrar-se em sua terceira edição, ainda há um errinho ou dois que a revisão deixou passar. Nada comprometedor, apenas uma observação. Ao final, o tradutor escreveu uma breve biografia sobre o autor e sua obra, um pequeno extra para conhecer mais sobre o artista.
“— Mas essa é a função da arte — disse Lotze. — Fazer com que a espiritualidade do homem evolua para além do sensual.” p. 50
Conclusão
Visão interessante sobre o mundo dominado pelas forças do Eixo, caso tivessem saído vitoriosos da Segunda Guerra Mundial. Pequenos detalhes poderiam ter alterado completamente a história. Os nazistas continuaram suas atrocidades e o mundo sofreu um retrocesso cultural e social, apesar do avanço tecnológico. A nova ordem mundial é comandada pelo Japão e pela Alemanha, que estão à beira de um desastre. O enredo se passa nos EUA, principalmente na costa Oeste, dominada pelo Japão. Apesar da trama não ser realmente inovadora (tirando a parte da realidade alternativa), ainda assim consegue capturar a atenção do leitor, pois é dinâmica, cada hora contando a história de uma personagem diferente, que, de certa forma, são conectadas. PKD consegue criar mundos diferentes do nosso, mas muito parecidos ao mesmo tempo, por conta de pequenos detalhes. Seus livros não são complicados e contam histórias incríveis, deliciosas de serem lidas.
“O mal existe! E é palpável como concreto”. p. 112
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins

Parceiro

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Ah! Finalmente um livro que eu já li!!! hahahahaha
Gosto muito desse livro. Outros que recomendo, se não tiver lido, de uma autora, são “A Mão Esquerda da Escuridão” e “Os Despojados”, da Ursula K. Leguin, recentemente falecida, que são mais “Ficção Científica”, mas ao mesmo tempo, não é disso que trata.
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Acho muito legal esses autores que conseguem dizer algo por meio de outro, como falar sobre uma coisa através de uma história de ficção científica. Philip K. Dick é um mestre nisso, seus livros são muito bons. Tenho ‘Os despossuídos’, da Ursula (foi publicado por aqui com esse título), mas ainda não li. O que achou desse?
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Gosto de pensar que a realidade alternativa da ficção científica de PKD nada mais que é uma mudança de cenário. Nossa escrotidão não tem barreiras, mas variáveis que implicam em abismos não muito distantes destas histórias.
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Seja em qual cenário for, ser humano vai acabar fazendo besteiras, agindo praticamente da mesma forma. Acho que temos algo inerte, talvez isso seja ser humano. PKD apenas nos mostra que não é muita coisa que muda, mesmo em outras realidades.
Obrigado pela visita.
Abraço.
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Republicou isso em Memórias ao Vento.
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Dick é um grande escritor. o que acredito ser sua maior virtude está justamente na dualidade, na outra possibilidade, na outra visão. nessa quebra da, digamos, normalidade, podemos muito bem refletir sobre os dias de hoje. um belo post, Alan. bel leitura. um grande abraço.
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Os escritos dele nos fazem viajar na imaginação. É interessante notar sempre essa dualidade, que pode vir a ser uma questão futura da humanidade, com os avanços tecnológicos. Um dos melhores autores de ficção científica de todos os tempos, com toda certeza.
Obrigado pela visita. Grande abraço e ótimo domingo.
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