Minhas Leituras #53: Sempre vivemos no castelo – Shirley Jackson

Capa livro Sempre vivemos no castelo, Shirley Jackson

“Personagens sem graça, história sem graça, tudo sem graça”

Título: Sempre vivemos no castelo
Autor: Shirley Jackson
Editora: Suma de Letras
Ano: 2017
Páginas: 200
Tradução: Débora Landsberg
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“Meu nome é Mary Katherine Blackwood. Tenho dezoito anos e moro com minha irmã Constance. Volta e meia penso que se tivesse sorte teria nascido lobisomem, porque os dois dedos médios das minhas mãos são do mesmo tamanho, mas tenho de me contentar com o que tenho.” (JACKSON, Shirley. Sempre vivemos no castelo. Suma de Letras, 2017, p. 7)

Último livro publicado de uma das maiores escritoras estadunidenses do século XX, ‘Sempre vivemos no castelo’ apresenta uma trama confusa e aparentemente sem um sentido principal, porém, no meio dessa confusão toda, a obra aborda algumas questões delicadas, de maneira bem sutil.

Autora de clássicos

Shirley Jackson ficou conhecida, principalmente, por seus trabalhos no gênero mistério e terror, sendo uma inspiração para autores como Neil Gaiman e Stephen King. Seu livro mais conhecido é o romance de terror psicológico ‘The haunting of hill house’ (‘A assombração na casa da colina), obra muito aclamada e considerada uma das mais importantes do gênero pelo mestre King.

Suas obras ganharam algumas adaptações cinematográficas, inclusive ‘Sempre vivemos no castelo’ estreará nos cinemas em breve; o filme está previsto para estrear ainda em 2018. Com uma carreira curta, Shirley Jackson gravou seu nome na literatura dos Estados Unidos, com livros compondo a lista de leituras obrigatórias de diversas escolas do país. Faleceu aos quarenta e oito anos, vítima de insuficiência cárdica, por conta de sua obesidade e por ser uma fumante ávida.

“Não consigo me segurar quando as pessoas têm medo; sempre tenho vontade de botar mais medo ainda nelas.” p. 55

A confusa história dos Blackwood

Esse é um livro difícil de caracterizar: há um certo mistério, drama e situações sobrenaturais (forçadas, destoando do enredo). A história é narrada pela protagonista, Marry Katherine Blackwood, mais conhecida pelo seu apelido Merricat. Ela vive com sua irmã, Constance, e seu gato, Jonas, em uma casa herdada de sua família, uma residência passada entre gerações. Nessa casa também reside Julian, tio das duas irmãs, cadeirante, idoso e com lapsos de memória.

Houve uma grande tragédia nessa família e, no período em que o enredo se passa, as duas irmãs sofrem as consequências desse fatídico incidente. Elas vivem isoladas da sociedade, reclusas em sua propriedade. São consideradas estranhas pelo restante do vilarejo, sofrendo uma forte rejeição e perseguição; a população parece sentir certo ódio delas e isso está ligado tanto ao fato de serem consideradas diferentes, quanto à essa tragédia familiar.

Os três compõem uma família diferente e vivem uma rotina, da qual Merricat não pretende abrir mão. A jovem de dezoito anos chega a fazer algumas simpatias em seu quintal, enterrando itens da família, a fim de garantir que sua família seja protegida das pessoas de fora e que a rotina continue sempre a mesma.

Ao longo da narrativa elas enfrentarão diversos problemas, que podem abalar essa rotina e modificar completamente suas vidas. Enfrentando a ira do vilarejo, as duas irmãs buscarão permanecer unidas até o fim.

“Qual lugar seria melhor para a gente do que este? Quem quer a gente, lá fora? O mundo está cheio de gente terrível.” p. 76

Nada parece funcionar

O enredo tenta ser misterioso ao não revelar a verdade sobre a tragédia que acometeu os Blackwood. Mas a autora não constrói um clima misterioso de forma instigante, sendo sincero, a escrita acaba sendo broxante.

Para começar, a narração é comprometida pela própria narradora, que não é totalmente sincera e omite fatos. Todas as personagens conhecem a verdade sobre a tragédia, porém nenhuma fala sobre isso até certo ponto do enredo. Não é algo que elas buscam descobrir, a autora simplesmente guarda isso para depois, em uma tentativa de enganar o leitor contando “mentiras”.

Merricat e Constance não são personagens cativantes. A primeira é muito infantil para sua idade, dizendo coisas que uma criança diria, vive no mundo da lua e possui traços de psicopatia; em Constance há uma grande falta personalidade. Tio Julian é engraçado em certas partes (um ponto positivo desse livro é o humor negro, que funciona), todavia, ele acaba sendo mais irritante que divertido. Os moradores do vilarejo são todos pessoas ruins, malvadas e caricatas. Falta de personalidade é a maior falha dessa obra.

Não existe um foco central no enredo, que não chega à lugar algum, nem faz muito sentido. Apesar disso, o livro aborda alguns temas delicados, como a agorafobia, transtorno psicológico ligado a ataques de pânico, caracterizado pelo medo extremo de lugares abertos, com grande quantidade de pessoas. Shirley Jackson sofria desse distúrbio e, talvez, essa obra seja um ensaio sobre a agorafobia. Outro tema retratado é a perseguição a pessoas consideradas “estranhas”, “diferentes”; o preconceito. Numa visão pessoal, considero que o enredo também fala sobre o medo de mudanças, de se manter seguro em seu cantinho, pelo medo de sair da rotina, sair da bolha.

“Eu não encostaria no anel; a ideia de um anel em torno do meu dedo sempre me deu a sensação de estar amarrada com força, pois anéis não tinham abertura para escapar […]” p. 102

Sobre a edição

Edição muito bonita, que merece elogios pelos aspectos físicos. Capa dura, com uma arte bonita, páginas em papel Pólen Soft de boa gramatura, diagramação e margens confortáveis. Belo padrão de qualidade.

Débora Landsberg, a tradutora, já pode ser considerada experiente, pois possui um considerável número de obras traduzidas. Seu trabalho nesse livro é competente, o enredo é confuso por si, não por conta da tradução. Ademais, Shirley Jackson possui um estilo muito repetitivo que deixa a estética da obra um tanto quanto “feia”, um pouco forçado, talvez uma falta de polimento.

“A comida vem da terra e não se pode deixar que ela fique lá apodrecendo; tem que se fazer alguma coisa com ela.” p. 60

Conclusão

Peguei-me desejando que a leitura desse livro terminasse logo, de tão sem graça que achei o enredo. A história não quer dizer nada com nada, o mistério não funciona e as personagens são esquecíveis, bobinhas demais. Os temas subliminares, como a agorafobia, a perseguição e o medo de mudanças podem ser considerados interessantes e talvez sejam o que a autora realmente quis dizer com esse livro, entretanto isso é feito de forma nada animadora, o livro não instiga. Edição bonita, em capa dura e com boa tradução, porém isso não salva um enredo sem sentido e com personagens caricatos e sem carisma. Livro que eu não recomendaria, talvez as outras obras de Shirley Jackson sejam mais interessantes. ‘Sempre vivemos no castelo’ não me agradou.

“A cabeça de um homem deve ser da responsabilidade dele, afinal.” p. 83

Minha nota (de 0 a 5): 2,5

Alan Martins

Livro Sempre vivemos no castelo, Shirley Jackson, Suma de Letras
A capa do livro é bem apelativa, o projeto gráfico ficou bonito. Mas o conteúdo deixa a desejar.
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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

10 pensamentos

  1. oh, como as pessoas são diferentes. 🙂 Eu adorei esse livro, precisamente por tudo aquilo que você descreve (a ineficácia da narradora, as mentiras escondidas, o clima familiar pesado). Adorei e já recomendei a muitas pessoas. Eu li o original em inglês, terá a tradução tido influência?

    Para mim o que realmente aconteceu com a família Blackwood não é o mais importante desta história. Isso está lá apenas como pano de fundo para nos mostrar como é a dinâmica de viver numa cidade pequena, como as pessoas se julgam e ostracizam mutuamente, e acho que essa parte foi muito bem conseguida. A critica social a um meio muito semelhante àquele em que a autora vivia é o “sumo” deste livro.

    Viva a diversidade. 🙂

    Curtido por 1 pessoa

    1. Você não é a única que gostou do livro, aliás, é um livro muito bem avaliado. Mas não gostei do estilo de narrativa e algumas coisas são muito exageradas. Podem ser apenas metáforas ou alegorias, porém é um tipo de leitura que não me agrada. Não que seja uma obra ruim, ou não haveria quem gostasse, apena uma da qual não gostei.
      Se a tradução falhou, é algo que não posso afirmar, não li o original. Mas pode ser que tenha alguma influência, talvez o estilo da autora possa se perder um pouco ao ser traduzido.
      Obrigado pela visita e por dar sua opinião.
      Abraço.

      Curtido por 1 pessoa

  2. Confesso minha resistência em relação à literatura norte-americana. Em parte por desconhecimento, em parte por informação de ofício. Penso que a língua inglesa, em outros rincões produziu coisa mais palatável e admirável…

    Curtido por 1 pessoa

    1. Esse livro deixou muito a desejar. Em minha opinião, não pode ser colocado como um clássico da literatura estadunidense, até porque o considero bem raso. Existem muitos outros livros melhores, até mesmo livros voltado ao entretenimento. Existem autores superiores, alguns que ainda não tive contato, mas que estão aguardando na estante. Mas, um nome bem forte dessa literatura, que eu já li, é F. Scott Fitzgerald.

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