“O ‘Edda’ do mestre Tolkien”
Título: O Silmarillion
Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: WMF Martins Fontes
Ano: 2011 – 5ª Edição
Páginas: 480
Tradução: Waldéa Barcellos
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“[…] para aquele que é impiedoso, os atos de compaixão são sempre estranhos e estão fora do alcance de sua compreensão” (TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. WMF Martins Fontes, 2011, p. 319)
O universo de ‘O Senhor dos Anéis’ é muito rico, cheio de detalhes. Nesse livro, o enredo se passa na Terceira Era de Arda, como é chamada a Terra. Porém, há muita história sobre o que aconteceu em Eras passadas, e tudo isso está relatado em ‘O Silmarillion’, uma espécie de bíblia do legendarium, a mitologia criada por Tolkien.
Trabalho de pai e filho
Em 1937, ‘O hobbit’ foi publicado, o primeiro livro que nos fala sobre a Terra-média. Entretanto, Tolkien já havia escrito esboços sobre esse universo desde 1917. O trabalho de sua vida foi criar uma mitologia nova e rica em detalhes.
Ele utilizava muitas anotações para guiar-se ao escrever seus livros, pois seria bem fácil se perder entre tantos detalhes. Foram essas anotações, manuscritos inacabados, anotações a lápis em cadernos e outros materias que Christopher, filho mais novo de Tolkien, utilizou para compor o livro ‘O Silmarillion’ como conhecemos hoje.
Trata-se de uma publicação póstuma. Christopher foi o herdeiro literário de seu pai, já que era o mais íntimo de suas obras, o que possuía maior conhecimento sobre o legendarium. Após muita pesquisa e um grande trabalho de edição, com a ajuda de Guy Gavriel Kay, Christopher publicou em 1977, quatro anos após o falecimento de seu pai, ‘O Silmarillion’, o pilar da mitologia tolkieniana.
“[…] quando os Sábios tropeçam, a ajuda costuma vir das mãos dos fracos” p. 384
Como tudo começou
É muito evidente que a ‘Bíblia cristã’ e o ‘Edda em prosa’ foram duas grandes influências nas obras de Tolkien. Fato que fica ainda mais claro ao se ler ‘O Silmarillion’. Características peculiares da escrita bíblica são encontradas no livro, além de muita inspiração nos deuses nórdicos, a forma do mundo e da composição de todo universo.
Tudo tem início quando Ilúvatar, a divindade suprema, cria uma espécie de seres angelicais, os Ainur, que irão dar forma ao mundo, chamado de Arda. Dentre os Ainur, os de maior poder são chamados de Valar, senhores de Arda, que residem nas Terras Imortais, o continente de Valinor, a oeste da Terra-média.
Arda é preparada para receber os filhos de Ilúvatar, primeiramente os elfos, seres de grande poder, que são imortais (não são acometidos pela idade avançada ou por doenças, só podem ser mortos de forma violenta), que se tornam amigos dos Valar. Posteriormente temos a chegada dos homens, seres mortais e menos poderosos que elfos. Também é narrada a origem dos anões e dos orcs.
Dentre os Valar, o mais poderoso é Melkor (chamado posteriormente de Morgoth), que se rebelou e decidiu habitar a Terra-média, com o desejo de subjugar homens e elfos, tornando-se o primeiro Senhor do Escuro. Dessa forma, a história da criação do mundo é contada até os dias da Terceira Era, período em que os eventos de ‘O Senhor dos Anéis’ acontecem.
“Foi longa sua labuta nas regiões de Eä, que são vastas para além do alcance de elfos e homens, até que, no momento previsto, foi criada Arda, o Reino da Terra”. p. 15
Narrativa diferente
Quem já leu ‘O hobbit’ ou ‘O Senhor dos Anéis’ irá notar a diferença no estilo de narrativa em ‘O Silmarillion’. Trata-se de um estilo muito mais sombrio e sério, sem o humor das histórias dos dois primeiros. Podemos dizer que a narrativa é até mesmo mais violenta, afinal são tempos violentos, com as guerras entre os filhos de Ilúvatar e Morgoth.
Antes de ler as obras de Tolkien, li o ‘Edda em prosa’, a “bíblia” da mitologia nórdica. E é incrível notar as inspirações do autor. Os Valar são muito parecidos com os deuses nórdicos, uns mais poderosos que os outros, há uma espécie de hierarquia.
Até mesmo a composição de capítulos, onde cada um narra uma história distinta, sempre de forma contínua, desenvolvendo o enredo. Praticamente a origem de tudo o que existe no universo de Tolkien é descrito. O início fala sobre a criação dos Ainur, de Arda, e o decorrer do tempo até o fim da Primeira Era. Apenas um acontecimento da Segunda Era é narrado, a queda de Númenor, um reino de homens poderosos. Também existe um capítulo sobre eventos da Terceira Era, muito breve.
Muitos podem achar a leitura de ‘O Silmarillion’ difícil, devido ao grande número de nomes e detalhes, e não vou negar isso. Ademais, é um livro muito narrativo, com poucos diálogos, outra diferença, ao compararmos com os livros citados no início do tópico. Apesar disso, o enredo empolga, mostrando-se muito interessante, sendo divertido conhecer a história da Terra-média. Algo que pode ser um ponto negativo é uma espécie de repetição. Sempre ocorre uma desgraça às personagens principais, e quase sempre da mesma forma. Depois de um tempo você até já espera isso ocorrer.
“Ele, assim, determinou que os corações dos homens sempre buscassem algo fora do mundo e que nele não encontrassem descanso; mas que tivessem capacidade de moldar sua vida, em meio aos poderes e aos acasos do mundo […]” p. 36
Sobre a edição
Edição comum, brochura, capa com orelhas, páginas em papel de tonalidade amarelada (bom para leituras longas) e uma diagramação excelente, com margens bem amplas. Uma edição de qualidade muito superior às edições comuns de ‘O Senhor dos Anéis’.
Waldéa Barcellos foi a encarregada para a tradução, contando com a ajuda e revisão técnica de Ronald Eduard Kyrmse, especialista nas obras de Tolkien e membro da Tolkien Society. Não há o que reclamar dessa tradução, texto coeso e com muito menos adaptações de nomes próprios do que o que aconteceu em ‘O Senhor dos Anéis’.
Essa edição possui alguns conteúdos extras, que são as árvores genealógicas das personagens, uma explicação sobre a pronúncia dos nomes, um glossário de todos os nomes citados no enredo e mapas de Beleriand, local onde a maior parte dos acontecimentos narrados ocorrem.
“Quisera que as árvores falassem em defesa de todos os seres que têm raízes, e castigassem aqueles que lhes fizessem mal!” p. 42
Conclusão
É divertido conhecer as origens da Terra-média e obter maior compreensão do que foi lido em ‘O hobbit’ e ‘O Senhor dos Anéis’. Com uma narrativa mais sombria, ‘O Silmarillion’ conta com mais ação e um pouco mais de violência, mantendo o nível de detalhamento que as obras de Tolkien possuem. O grande número de nomes pode deixar a leitura difícil, porém não é tão complicado assim, o glossário pode ajudar bastante. Livro de poucos diálogos, mas com narrativas variadas, contendo até mesmo uma tragédia romântica, digna dos teatros gregos. Quem aprecia as obras do autor, vai gostar de conhecer mais detalhes sobre sua mitologia, mas nada impede que um leitor comece por esse livro, o que pode ser positivo, pois verá várias personagens reaparecerem nas histórias de Bilbo e Frodo.
“E assim, por meio de mentiras, rumores maldosos e conselhos falsos, Melkor atiçou os corações dos noldor para a luta; e de suas contendas, com o tempo, resultou o fim dos belos dias de Valinor e o crepúsculo de sua glória antiquíssima”. p. 76
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins

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como antes havia escrito, o caráter descritivo de Tolkien é demasiado, embora reconheça ser essencial em sua história. as traduções devem sofrer mesmo com elas. este está para ser lido, mas em e-pub. quem ainda em fevereiro. gosto de ler teus comentários, são sempre a partir de um leitor atento a vários aspectos que passas despercebidos muitas vezes por críticos consagrados. parabéns, Alan. um grande abraço.
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Acho que nenhuma tradução chegará perto dos originais de Tolkien, tanto pelos detalhes, quanto pelos seus trabalhos linguísticos. Ele gostava mesmo de brincar com as palavras, talvez muito mais do que contar histórias. Seus detalhes, na grande maioria, são interessantes e gostosos, ficando longe da chatice.
Aconselho que leia esse livro, o que aumentará seu conhecimento e compreensão sobre ‘O Senhor dos Anéis’.
Grande abraço. Agradeço a visita e suas palavras.
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A tragédia dos humanos é descrita de forma cíclica proposital em toda obra. Salvo engano ele descreve isso nas Cartas como ponto de reflexão sobre a própria vida humana e uma análise da ascensão e impérios em nossa realidade. Muitos dizem que a prosa se perde em Silmarilion devido ao Christopher, já que o livro é um compilado. O mesmo ocorre com Filhos de Húrin e com Contos Inacabados.
Desde a primeira vez que o li, lembro da beleza (e dores, várias dores) da história de Beren, o maneta. A sua versão de Ilíada. A edda é uma influência, mas Homero é outra forte linha perseguida em diversas personagens de Tolkien. Tem também muito literatura antiga da britania, como os textos de Monmouth e até mesmo a história de reis ingleses como John (aquele da época da magna carta). A criação dos anões e seu destino de escuridão mereciam menção em seu texto. Volte duas casas 🙂
Para tornar a obra com uma leitura mais ‘épica’, sugiro acompanhar o álbum Nightfall in Middle-Earth do Blind Guardian. Melhor adaptação literária da história, dizem 🙂
The Fate of us all
Lies deep in the dark
When time stands still at the iron hill
Ah, esquece adaptação, seja em seriado ou filme até as obras se tornarem domínio público. E mesmo assim acho difícil conseguirem algo. Ninguém conseguiu comprar os direitos do Christopher.
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Não falei muito sobre os anões porque eles não possuem muito destaque nesse livro, e também para não dar muito spoiler. Acho que o Christopher poderia ter compilado mais textos sobre eles. O próprio livro contradiz outros escritos, talvez fosse preciso mais tempo de pesquisa para formar um texto mais coeso, mas acho que o dinheiro falou mais alto nessa hora. Foi uma pena Tolkien não ter terminado a obra.
Esse álbum eu não conhecia, vou pesquisar sobre. Obrigado pela indicação.
Agradeço a visita e seu comentário.
Abraço.
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Eu tenho esse, mas ainda não li… Parece que ele diz não todas as vezes que o pego… Esse é um livro para ser lido sozinho, em noites frias e tempestuosas… Pelo menos é o que eu sinto que ele me diz…
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Insista e diga sim a ele! 😂
É um livro mais denso que ‘O Senhor dos Anéis’, mas com um ritmo um pouco mais acelerado. É cheio de detalhes, então é bom ler com tranquilidade, sozinho.
Sua edição é do Brasil ou de Portugal?
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A edição que eu tenho é do Brasil. É o mesmo livro que o que resenhou, mas o meu é a 4º edição 🙂
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Acho que não muda muita coisa entre essas duas edições. Eu li que as primeiras versões vendidas aqui no Brasil vinham de Portugal, antes de uma editora resolver pagar uma tradução.
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As nossas são edições da tradutora Waldéa Barcellos. Ela mora no Rio, eu acho…
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Isso. Sobre ela não consegui encontrar muita informação, mas ela já traduziu vários livros, até alguns do Neil Gaiman publicados pela Rocco.
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TEnha pena dos tradutores… Eles tomam tanta “porrada”… E as vezes algumas das decisões de tradução nem são deles…
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Sim, os editores influenciam muito também. Pior que o trabalho do tradutor nem é tanto valorizado pelo público assim. Por isso tento sempre falar um pouco sobre a tradução nas minhas resenhas, eles merecem pelo trabalho.
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Já faz muito tempo que eu percebi que muito do que lemos é um trabalho tanto do autor quanto do tradutor. E sempre faço questão de reconhecer o trabalho do tradutor. 🙂
Aliás, há quem diga que o tradutor muitas vezes melhora o trabalho original.
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Acredito que alguns conseguem melhorar mesmo. Às vezes o tradutor pode possuir um conhecimento linguístico maior que o do autor, ou até sobre a construção do texto. Mas é uma profissão ingrata a do tradutor, pois podem acabar modificando o estilo do autor. Coitados!
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Nice…
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Thanks! 🙂
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Eu adoro!
Curioosamente, o aspecto “violento” que vc menciona não me toca tanto, já o sofrimento de alguns personagens me deixa bastante pesarosa.
Esse é um livro que eu não consigo imaginar em filme. Seria incrível demais se conseguissem captar, com toda a delicadeza necessária, a essência da criação.
Ano passado ganhei Contos Inacabados, mas ainda não tive o prazer de desfrutar.
P.S./ Essa bíblia nórdica q tu citou, acaba de entrar na minha lista, rsrssrss…
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Acho bem difícil também esse livro ser adaptado, talvez em uma séria até que daria algo. Mas, os direitos dele nunca foram comprados, pelo o que sei.
Eu tenho o ‘Contos inacabados’ também, mas não vou ler agora. Vou dar um tempo de Tolkien, foram muitos livros seguidos!
Bom saber que se interessou pelo ‘Edda em prosa’, é um livro muito bom para conhecer melhor a mitologia nórdica!
Obrigado por comentar!
Abraço.
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É importante dar uma respirada mesmo, até pra poder absorver o que paira de densidade ao seu redor.
Beijoca
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