Minhas Leituras #44: O estrangeiro – Albert Camus

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“A filosofia do absurdo em forma de romance”

Título: O estrangeiro
Autor: Albert Camus
Editora: Record/Altaya
Ano: 1995
Páginas: 122
Tradução: Valerie Rumjanek
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“Perguntou-me, depois, se eu não estava interessado em uma mudança de vida. Respondi que nunca se muda de vida; que, em todo caso, todas se equivaliam, e que a minha, aqui, não me desagradava em absoluto”. (CAMUS, Albert. O estrangeiro. Record-Altaya, 1995, p. 46)

Um livro curto, mas que diz muito, pois nos faz pensar. Esse é ‘O estrangeiro’, um romance filosófico, a obra mais conhecida de Albert Camus, que também falou muito, apesar de uma vida consideravelmente curta aqui neste mundo.

De uma infância humilde ao Nobel

Albert Camus nasceu em 1913, na Argélia, então colônia francesa. Teve uma infância pobre, filho de um agricultor e de uma faxineira. Conseguiu mudar a direção de sua vida com os estudos. Estudou filosofia na Universidade de Argel, trabalhando para ajudar a custear os estudos. Uma de suas paixões era o futebol e chegou a atuar como goleiro, o que o ajudou com as despesas da faculdade. Teve que abandonar a carreira no esporte após contrair tuberculose.

Sua obra foi composta por romances, ensaios filosóficos, contos e peças teatrais, uma outra grande paixão. Muitos o consideravam um existencialista, o que Camus negava com veemência. Na verdade, seu pensamento poderia até ser parecido, mas de certa forma era contrário ao existencialismo e ao niilismo. Era adepto da filosofia do absurdo, pensamento que nasce da desarmonia entre a busca individual pelo sentido e a falta de sentido do universo. Para esse movimento filosófico, a vida não possui sentido.

Mudou-se para Paris e logo depois ‘O estrangeiro’ foi publicado, no ano de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. A partir desse livro, sua notoriedade cresceu, tornando-se um importante pensador na França. Porém, como grande parte dos pensadores franceses daquela época possuíam uma visão política de esquerda, Camus foi sendo excluído do meio intelectual, pelos próprios intelectuais, pois possuía concepções um pouco diferentes, e muitos eram contrários às ideias do absurdo. Foi contemplado com o prêmio Nobel de literatura, em 1957, três anos antes de sua morte, causada por um acidente automobilístico.

“O mar trouxe um sopro espesso e ardente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando chover fogo”. p. 63

Meursault, o indiferente

Podemos usar a palavra ‘indiferente’ para definir este livro. Narrado em primeira pessoa pelo protagonista, conhecido como Meursault, o romance apresenta o pensamento de Camus sobre o absurdo de forma bem simples. Quando digo simples, quero dizer sem explicações, não é uma obra que detalha a vida de uma pessoa, seus motivos para ser como é; cabe ao leitor fazer suas interpretações. Até mesmo o final fica sem uma conclusão, sem um desfecho, o autor não nos conta o que aconteceu com o protagonista. Esse estilo de narrativa era inédito quando o livro foi publicado, fato que contribuiu para o seu sucesso e reconhecimento.

Logo no primeiro parágrafo somos surpreendidos pela indiferença de Meursault, ao dizer que sua mãe morreu, pela sua falta de sensibilidade com a notícia. Ao longo da leitura, vemos outros exemplos de sua indiferença. Ele é um sujeito que apenas vive a vida, sem ambições, sem se importar com o que dizem, com o que pensam, nem com os outros e até mesmo nem consigo. Pode-se interpretar esta questão pelo viés existencialista, como alguém que vive aproveitando o momento, vivendo a experiência do aqui e agora, sem se importar muito com o passado ou o futuro.

Entretanto, boa parte do pensamento de Camus sobre o absurdo está presente nesta obra. O mundo não faz sentido e nossa única certeza é a morte, de que importa se é agora, ou daqui trinta anos? De que importa as coisas ao nosso redor? Eu quero mais é aproveitar o momento da minha maneira, sem me preocupar com outras coisas. Sem aceitar a inutilidade da vida, que o que fazemos não tem um objetivo final, dificilmente seremos felizes, estando fadados a viver contra o inevitável (a morte), fazendo coisas das quais não gostamos (como realizar trabalhos fúteis).

“Mas, por um lado, não é culpa minha se enterraram mamãe ontem, em vez de hoje, e, por outro lado, teria tido, de qualquer maneira, o sábado e o domingo livres. Isto não me impede, é claro, de compreender o meu patrão”. p.24

Filosofia do absurdo e outras interpretações

O título do livro faz muito sentido. De um lado temos o autor, um estrangeiro na França, com uma população que se sentia superior aos nascidos na Argélia. Do outro, temos Meursault, um homem que não vive de acordo com as regras sociais, um estrangeiro em sua sociedade. Durante o funeral de sua mãe, a personagem demonstra indiferença aos olhos de quem o observa, pois não chora, aceita um café com leite que lhe é oferecido e fuma. Há uma ideal de luto que é tido como “o correto” socialmente (chorar, se mostrar abalado, etc.), quando alguém foge desse padrão, é visto como um estranho, uma pessoa sem sentimentos. Há diferentes maneiras de demonstrar sentimentos e de se viver as experiências da vida. Cada pessoa é diferente, essa é uma interpretação obtida com esta leitura.

Ao ler as ideias do absurdo, até parece que o mundo sem sentido deve ser um mundo sem moral, porém não é bem assim, pois Camus explica que, por exemplo, no caso de um assassinato, sua imoralidade seria justificada pela simples lógica. E a vida é sempre preferível à morte, mesmo que ela não possua um sentido.

São temas presentes no decorrer da narrativa, principalmente na segunda parte (o livro é dividido em duas partes). Meursault passa a ter noção do ato que cometeu e se questiona sobre a vida, já que nutri um sentimento de querer viver, de ver o mar outra vez, algo que gosta tanto. Mesmo parecendo um pouco sem sentido e pessimista, a filosofia do absurdo é muito bonita e pode contribuir bastante, em diversas áreas do conhecimento.

“Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldade passar 100 anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar. De certo modo, isto era uma vantagem”. p.82-83

Sobre a edição

Comprei minha edição em um sebo online. Na década de 90 a editora Record (quem publica os livros de Camus no Brasil há um bom tempo) fez uma parceria com a Altaya, o que resultou na publicação da coleção Mestres da Literatura Contemporânea, uma coleção formada por cem volumes, contando com grandes autores como Mario Vargas Llosa, F. Scott Fitzgerald e Gabriel García Márquez. ‘O estrangeiro’ é o volume 16 dessa coleção.

São livros em capa dura, seguindo um padrão estético. O tipo de papel utilizado não saberei especificar, mas eram livros produzidos com material de qualidade, com uma boa diagramação. A tradução é de Valerie Rumjanek, que traduziu muito bem, mesmo sendo uma narrativa que utiliza tempos verbais difíceis de serem transpostos para o português, como o passé composé (passado composto).

Atualmente, ‘O estrangeiro’ pode ser encontrado nas livrarias em uma edição de bolso, publicada pela BestBolso, empresa do Grupo Editorial Record. A tradução dessa edição é a mesma, por Valerie Rumjanek.

“Como se os caminhos familiares traçados nos céus de verão pudessem conduzir tanto às prisões, como aos sonos inocentes”. p. 99

Conclusão

Para quem não conhece a obra do autor, assim como eu ainda não conhecia, este livro é uma boa introdução, pois expressa boa parte de seus pensamentos e do absurdo, de maneira simples. Mesmo sendo um romance filosófico, não é difícil de ser lido, na verdade é fácil, rápido e prazeroso. Porém, Camus deixa muitas questões em aberto, sem dar muitas explicações, o grande diferencial da obra, que estimula o pensamento do leitor. Apesar de não ser uma escrita repleta de frases bonitas ou de efeito, ainda assim consegue dizer muito com sua simplicidade, levantando o debate sobre diversas questões, principalmente sobre as diferentes formas de se viver a vida, considerando que cada pessoa é de um jeito, e quem é diferente vive como um estrangeiro.

“Esperança, é claro, era ser abatido numa esquina, em plena corrida, por uma bala perdida”. p. 110

Minha nota (de 0 a 5): 4,5

Alan Martins

Para saber mais

Encontrei alguns links interessantes sobre Camus, que vão ajudar a compreender um pouco melhor a sua obra e a filosofia do absurdo.

Artigo ‘O absurdo e a revolta em Camus’: http://www.revistatrias.pro.br/artigos/ed-3/o-absurdo-e-a-revolta-em-camus.pdf

Artigo ‘3 ideias que vão te introduzir a Albert Camus e a filosofia do absurdo’: http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2017/09/3-ideias-que-vao-te-introduzir-albert-camus-e-filosofia-do-absurdo.html

‘Passado composto (passé composé)’: https://www.infoescola.com/frances/passado-composto-passe-compose/

Livro ‘O mito de Sísifo’ importante obra de Camus, disponibilizado pelo governo português, uma indicação de Ana Isabel Fernandes, do blog Delfos: http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/clubedeleituras/upload/e_livros/clle000131.pdf

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Edição antiga, com páginas amareladas, porém muito bem conservada, sem qualquer tipo de rasura e nenhum amassado!

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

15 pensamentos

    1. Acho que o autor deu esse título por causa do protagonista, que é uma pessoa fora do comum, que não se comporta como a maioria. Dai ele seria um estrangeiro (estranho). Mas podemos considerar também que o protagonista, em determinada parte do livro, é julgado, e quem o julga é uma corte francesa, sendo que ele é da Argélia. E temos o fato de Camus ser um estrangeiro na França. Como as interpretações do livro ficam por conta do leitor, há várias que podem ser tiradas.
      Obrigado pelo comentário, recomendo a leitura, um livro bem interessante.
      Abraço!

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  1. Muito fixe 😀 Camus tinha, de facto, uma abordagem diferente da de Sartre . Não conseguia aceitar ou minorar as consequências dos campos de trabalhos forçados soviéticos, por exemplo. A gota de água entre eles foi quando Camus publicou o ‘O homem revoltado’ e não se absteve de tecer críticas à URSS. É-me impossível, de alguma forma, não relacionar essa filosofia à teoria do eterno retorno, de Nietzsche, e, para mim, Sísifo é o mito que melhor espelha a complexidade das penas humanas — simplesmente adoro-o. Embora estes conceitos representem o absurdo , obrigam-nos a pensar no verdadeiro carpe diem. As coisas não têm de ter uma finalidade ou objectividade para necessitarmos delas, as vivermos e as apreciarmos — é uma espécie de amor-fati. Já consegui arranjar ‘O estrangeiro’ também. Tenho uns livros à frente para ler, mas já está reservado 🙂 Abraço e início de uma boa semana.

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    1. Realmente, Camus não aceitava qualquer tipo de violência, e todos sabem, como Marx disse, que para se implantar um regime socialista, para depois vir o comunismo, é preciso que haja uma revolução, com violência, pegando nas armas. É inegável isso e qualquer país onde houve uma revolução socialista, houve violência. Então Camus era bem oposto aos intelectuais franceses de sua época, mesmo que ele, um dia, tenha sido filiado ao Partido Comunista Francês. E o cara era tão bom que, mesmo assim venceu um Nobel, até mesmo antes de Sartre. Eu comprei ‘O homem revoltado’, me interessei pelo tema. Será uma leitura das férias.
      Obrigado pela visita. Grande abraço e que sua semana seja ótima! 😀

      Curtido por 1 pessoa

  2. Muito bom, como sempre, Alan! Eu li faz tempo e fiquei com a lembrança dele sentir culpa por não sofrer com a morte da mãe. Concordo com a sua reflexão de que não é natural se sentir obrigado a seguir um roteiro para o luto e outras experiências da vida. Abraço🌻

    Curtido por 1 pessoa

    1. É verdade, ao longo do texto vemos como ele se lembra da mãe algumas vezes, o que indica que ele não é completamente insensível. Será mesmo que, para se sentir triste, para dar valor à uma pessoa, é preciso chorar por ela? Talvez essa seja a maior questão desse caso. Lágrimas nem sempre são sinceras. Dá pra viajar bastante nessa filosofia!
      Grande abraço! Obrigado por ter gostado do post! 😀

      Curtido por 1 pessoa

    1. Foi uma pena ele ter morrido cedo, pois poderia ter contribuído muito mais, ainda mais após ter ganho o Nobel. Mesmo assim, conseguiu deixar uma grande contribuição para o mundo.
      Grande abraço, bom domingo para você!

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