Lidando com o comportamento suicida em psicoterapia

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Imagem por GoranH (editado). Publicada sob Licença (CC0 1.0). Disponível em: https://pixabay.com/photo-2780142/.

Falar sobre suicídio é algo delicado, porém muito importante. No Brasil, dados do Ministério da Saúde, coletados entre 2011 e 2015, apontam um crescimento de 12% no número de suicídios. São dados alarmantes, que devem ser colocados em pauta.

As diversas áreas do conhecimento em saúde são de grande importância para a prevenção de novos casos. Uma delas é a psicologia, que possui vasto conhecimento para ajudar na reversão desses desses índices. Não é um texto que aborda uma teoria principal, mas sim questões que todo profissional deve ficar atento ao lidar com clientes com tendências suicidas. Fukumitsu faz bons apontamentos sobre como o psicoterapeuta deve lidar com o comportamento suicida, fiz algumas anotações sobre os principais pontos.

Buscar novos sentidos

Para que haja uma ressignificação do desespero existencial do cliente, é necessária uma relação terapêutica que preze o cuidado e não a cura. Lidar com o suicídio é lidar com a dialética vida e morte. A psicoterapia, nesse caso, é um método de crescimento, não de correção.

Trabalho interdisciplinar

Não é possível prevenir o suicídio de forma solitária, é preciso que haja uma integração entre os demais profissionais de saúde envolvidos e também da família. É importante frisar o sigilo durante o contrato terapêutico e pedir o telefone de pessoas em que o cliente confia.

Conhecer suas virtudes e fraquezas

Cabe ao profissional saber que só poderá oferecer aquilo que for capaz. Ele deve aprender que sua função não é a de ser o salva-vidas de seu cliente, mas sim ser o guardião de seu foco existencial. Por isso não se deve evitar a morte, e sim tentar fazer o cliente se sentir vivo. Não cabe ao terapeuta nutrir um sentimento de onipotência, tampouco se entregar à sensação de impotência.

O ato suicida

O ato suicida compreende fatores individuais, sociais e culturais. O processo suicida se inicia desde a ideação, a tentativa, as ameaças até o ato consumado, por isso é importante que a prevenção ocorra no período entre o pensamento e a ação. Alguns suicídios são causados por impulsos, outros são planejados. Um bilhete pode ser um indício de que o ato foi planejado. Esse ato de se deixar um bilhete pode mostrar uma necessidade de o suicida organizar e controlar antecipadamente aquilo que deverá ser organizado por outros.

Alguns recursos terapêuticos

Um recurso terapêutico proposto é o testamente em vida, que é uma maneira para a pessoa ter oportunidades e tentar satisfazer suas necessidades na interação com o meio ambiente em vida. Trata-se de uma forma de a pessoa expressar seus desejos em vida. Um outro recurso psicoterapêutico é a busca de momentos onde a pessoa sinta que faz sentido, uma sensação de estar vivo e que isso faz sentido. A disponibilidade afetiva pode afetar os outros.

É necessário explorar os pensamentos e sentimentos para que os clientes consigam comunicar o que precisam. Propõe-se três fases de conduta de manejo psicoterapêutico na lida com crises suicidas.

Fase do perguntar e explorar

Esta fase mostra a importância da ampliação das possibilidades que facilitam o compartilhamento da decisão sobre o suicídio. Seu objetivo é poder ouvir com cuidado o problema que o suicídio poderia resolver na vida da pessoa, levantando os fatores de riscos. Nessa fase se considera dois aspetos: a exploração da intenção do suicídio e a exploração do plano suicida.

Compreender, confirmar e acolher

Fase com o objetivo de entender o significado do ato suicida, onde se explora os sentimentos e pensamentos do cliente, acolhendo os sentimentos de impotência e solidão e confirmando que se trata de uma situação difícil, por isso ele imagina que a morte seria a única saída. É preciso que o psicoterapeuta se mantenha calmo, com uma postura de acolhimento e escuta e, se possível, envolver a família.

Encaminhar e acompanhar

Temos nessa fase o objetivo de compartilhar a preocupação com o cliente e com a possibilidade de ele cometer o ato. Encaminhar significa envolver, orientar e direcionar o cliente e sua família, ou outros profissionais que possam contribuir para que o cliente não volte a tentar o suicídio novamente. Acompanhar é acolher os momentos de dúvidas e falta de fé na vida. O terapeuta deve, com o cliente, levantar possibilidades que deem significado à sua vida. Além disso, acredita-se que é importante que o psicoterapeuta documente todos os contatos fora do setting terapêutico, as crises e o manejo psicoterapêutico.

Concluindo

Em suma, o psicoterapeuta deve buscar um equilíbrio entre a impotência e onipotência. Deve-se considerar o grau de letalidade e sofrimento psíquico, investigando as motivações do cliente. Lidar com o comportamento suicida não é um trabalho feito sozinho, o profissional precisa dar prioridade a um trabalho interdisciplinar.

Ao psicoterapeuta, cabe colocar suas técnicas à disposição e dispor amor, ternura e acolhimento pela pessoa (gerar um sentimento de empatia), que talvez não esteja desejando a morte, mas sim viver de outra forma. Isso não é uma garantia de que vidas serão salvas, entretanto a demonstração de compreensão pode fazer muita diferença.

Referência bibliográfica

FUKUMITSU, K. O. O psicoterapeuta diante do comportamento suicida. Psicol. USP, 25-3, p. 270-275, Dez. 2014.

Alan Martins


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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

15 pensamentos

    1. Nunca li nada sobre, mas vi algo bem por cima sobre a logoterapia. Agradeço muito sua dica, pois é uma forma de eu conhecer coisas novas dentro da psicologia! Vou pesquisar um pouco sobre o tema! Porém, acredito que na questão de encontrar um sentido para a vida sejam teorias parecidas.
      Grande abraço!

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    1. Autoestima e autoconhecimento são muito importantes. E pessoas que pensam em se suicidar não conseguem enxergar outra saída, as coisas boas que a vida pode oferecer, as relações, ou talvez não possuem esses tipos de estímulos em suas vidas, não são reforçadas com coisas positivas. Buscar novas maneiras de se comportar, pensamentos, novos relacionamentos, focar nas coisas que trazem prazer, isso é muito importante para essa função de tentar fazer o cliente se sentir vivo.
      Tirei a sua dúvida? Ou compliquei mais? 😀 😀

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      1. Você enalteceu a minha forma de pensar. Eu converso com muitas pessoas no meu trabalho voluntário então, passo a conhecer algumas características e necessidade do ser humano… Obrigada pela sua empolgante explicação. Abraço🕵️

        Curtido por 2 pessoas

    1. Essa parte é muito boa mesmo, pois o profissional pode se sentir muito presunçoso, ou acabar se sentindo incapaz. Ninguém é herói, é preciso ser realista e buscar ajudar, dando o melhor de si, mas sem exageros. Uma questão que envolve diversos lados, por isso é tão delicada.
      Obrigado pelo comentário!
      Grande abraço!

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  1. O grande problema do suicídio é que, muitas vezes, na própria “dualidade” das depressões e/ou outros problemas clínicos, acaba-se por matar a pessoa errada. Ou seja, acaba-se por asfixiar aquilo que ainda poderia e merecia ter expressão nas nossas vidas. Por isso é que há que ter cuidado quando, mesmo na arte, se romantiza e se idealiza demasiado a dor. As nossas idealizações quase nunca são verdadeiras. O maior desafio, talvez, seja fazer com que a pessoa volte a ganhar uma verdadeira identificação com o seu quotidiano. Não é fácil, mas pode ser possível 🙂 Para isso tem de saber como se desconstruir e, depois, reconstruir. Deixo aqui o ‘Mito de Sísifo’, do Camus. Alia o mito, o seu lado absurdo de Sísifo subir sempre a montanha, à temática do suicídio. É muito bom! http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/clubedeleituras/upload/e_livros/clle000131.pdf

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    1. Acho que esse é uma tema demasiado sensível para ser romantizado, tentar fazer da dor e do sofrimento algo lindo. Só quem sofre para saber o quanto é difícil. Além de que esse tipo de romantização pode causar idealizações errôneas. Claro, é uma situação que pode ser contornada, mas com o apoio de bons profissionais, e da família, principalmente. Quem fica também sofre, após a pessoa se suicidar, é doloroso perder um ente querido. Um fato que envolve muitos lados. Mas o mais importante é que existe meios de ajudar pessoas passando por esse tipo de sofrimento!
      Agradeço pelo livro, que veio em grande coincidência. Comecei a ler ‘O estrangeiro’, do Camus. Vou ler esse depois!
      Obrigado, grande abraço!

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