
Muitos veem o behaviorismo como uma teoria dura, que apenas enxerga o concreto, sem considerar o que se passa dentro do cliente, como a psicanálise, por exemplo. O único problema é que não é bem por aí. Para o behaviorismo radical tudo é comportamento, o simples ato de pensar já é um comportamento, que pode ser reforçado e/ou extinto. Dessa forma, esse tipo de terapia também leva em conta sonhos, mas não com interpretações, como na própria psicanálise. Esses são os chamados “eventos encobertos”.
Um pouco de behaviorês
A terapia comportamental, baseada nos conceitos da análise do comportamento, considera que eventos privados, como sentimentos, sonhos e intuições, são comportamentos encobertos. Para Skinner, a acessibilidade limitada de um evento privado não lhe concede qualquer tipo de estrutura especial. Os comportamentos encobertos, por serem considerados comportamentos, não devem ser considerados como eventos mentais ou cognitivos, pois esse tipo de consideração vai contra as propostas do behaviorismo radical.
Como base, a análise do comportamento tem a contingência de três termos(A: eventos antecedentes – situação; B: resposta – reações físicas, cognitivas e comportamentais; C: eventos consequentes – o que acontece depois). Os aspectos que constituem as contingências de reforço são: a ocasião na qual ocorreu a resposta; a própria resposta; e as consequências.
O terapeuta deve fazer com que seus clientes percebam que seus comportamentos encobertos são apenas uma parte da contingência tríplice e a relação deles com outros eventos do mundo externo e interno. A eficácia do processo terapêutico depende da criação de condições para a discriminação das contingências controladoras do comportamento.
Por serem de difícil acesso, as contingências que controlam os comportamentos encobertos são desconhecidas pela pessoa. O terapeuta deve levá-la à discriminação destas contingências, tornando-a apta a modificar seu comportamento e/ou ampliar seu repertório.
Os encobertos
Os sonhos podem ser utilizados na prática clínica como: instrumento de coleta de dados; instrumento de intervenção terapêutica; e permeando e embasando os dois primeiros aspectos, as diferentes funções que os comportamentos encobertos e os expressos adquirem na relação terapeuta-cliente.
Quando se estabelece uma boa relação com o cliente, os principais objetivos são: identificar, de forma objetiva, os comportamentos disfuncionais; fazer a análise funcional dos mesmos; descrever os recursos biológicos e do repertório comportamental do cliente; e obter uma descrição completa da história de vida do cliente. Na fase inicial da terapia, são levantadas variáveis relacionadas ao comportamento alvo, o terapeuta passa a levantar suas hipóteses e planejar sua intervenção em função delas e das contingências. A avaliação é um processo contínuo.
Encobertos do próprio terapeuta podem fornecer dicas sobre qual tipo de Estímulo Discriminativo (a ocasião em que uma determinada resposta, e não outra, é contingentemente seguida de um evento reforçador) o cliente fornece em uma relação pessoal. Essa auto-observação é importante, porém a falta de acesso aos encobertos do cliente pode comprometer os objetivos da terapia. Deve-se fazer a análise dos encobertos de ambos. Não é possível acessar, diretamente, os encobertos do cliente, por isso é importante discutir com ele sobre as interpretações acerca desses comportamentos, para evitar erros.
Um relato de um sonho pode permitir acesso a fatos da história passada ou da história atual. Quando o cliente sonha com algo da infância e ao acordar se lembra, evidencia uma relação encoberto-encoberto. O comportamento aberto de relatar pode, com a ajuda do terapeuta, alcançar a discriminação de certas contingências, que sem o sonho demorariam mais tempo. A interpretação do próprio sonho, com a ajuda do terapeuta, mostra que o cliente está conseguindo analisar as contingências que controlam seu comportamento. O terapeuta comportamental não considera o sonho algo simbólico ou um disfarce; o considera como um comportamento modelado por contingências que deve ser analisado e entendido. Além disso, a interpretação dos sonhos é feita apenas com perguntas como: “por que será que você sonhou com isso esta semana?”.
Um recurso interessante
O uso de encobertos vem se mostrando um recurso rápido e eficaz para que os clientes entrem em contato com as contingências atuantes em sua vida. O relato de um sonho, também pode ser utilizado como um recurso metafórico ou como esquiva, pelo cliente. Falar sobre algo aversivo através do relado de um sonho pode promover a diminuição da aversividade da situação, ou pode ser uma maneira de exprimir um sentimento de se esquivar de temas, ou uma forma de agredir o terapeuta ou testar sua empatia.
É importante que o terapeuta crie condições para que o cliente perceba a sua relação com o terapeuta como uma a mostra de um tipo de relacionamento, que pode vir a ter relações semelhantes em sua vida, generalizando uma forma de comportamento interpessoal reforçadora. O terapeuta precisa estar sensível às contingências que modelam e mantém seu comportamento, principalmente em sua relação com o cliente.
Alan Martins
Referência Bibliográfica
DELITTI, M. O uso de encobertos na terapia comportamental. Temas psicol., 1-2, p. 41-46, ago. 1993.
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Extremamente interessante. A cada linha lida eu voltava as minhas aulas de psicologia e as tardes na biblioteca com uma pilha de livros a minha frente.
Gosto muito destes seus post, são muito relevantes Alan.
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Muito obrigado!
A psicologia é uma área muito interessante mesmo, cada teoria tem sua beleza e seu encanto. Os sonhos também são assim, um grande mistério, e cada teoria vai lidar de forma diferente. São coisas que só aumentam o interesse pela área!
Grande abraço! 🙂
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Oi Alan, adorei o tema. Seu texto é claro e de fácil entendimento. Quando for possível poderia nos explicar um pouquinho das diferenças das linhas de terapia (Freudiana, Junguiana, Comportamental…). Eu, como leiga, sempre ouço falar dessas linhas, mas nunca entendi perfeitamente as diferenças… Muito obrigada! Beijo enorme.
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Obrigado pelas palavras que me alegram muito!
Sua ideia é bem legal, e acho que essa é uma dúvida recorrente mesmo. Vou pesquisar um pouco para trazer um texto claro sobre essas três abordagens (a junguiana se encaixa na psicanálise, já que ele foi um discípulo de Freud, mas com algumas diferenças). A terceira grande escola da psicologia seria a existencialista/humanista, com um teor mais filosófico, como a gestalt terapia, por exemplo. Agradeço a sugestão e vou bolar algo nesse tema, sim.
Um grande abraço! 😀
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Esperando ansiosamente! Bjão Alan e ótimo feriado.
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Os sonhos podem nos dizer muito do nosso mundo interior.
Interessante tema, Alan.
Abraço
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O podem mesmo, são elementos muito importantes em uma terapia, e que nos ajudam a elaborar certos conceitos sobre nós mesmos.
Obrigado pelo comentário!
Abraço.
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