“Uma boa ideia, mal desenvolvida”
Título: O sorriso da hiena
Autor: Gustavo Ávila
Editora: Verus
Ano: 2017
Páginas: 266
Encontre este livro na Amazon: https://amzn.to/2wJ2Xfy
“— Pelo menos você está perguntando o que há de tão errado neste mundo. A maioria de nós não diz nada pra não correr o risco de se incriminar depois por ter tomado partido”. (ÁVILA, Gustavo. O sorriso da hiena. Verus Editora, 2017, p. 42)
O mercado editorial brasileiro está repleto de thrillers, histórias policiais, de suspense. Porém, a enorme maioria dos livros desse gênero, aqui publicados, são de origem internacional. Gustavo Ávila faz parte de uma nova safra de escritores nacionais que, aos poucos, estão mudando essa situação.
O autor
Paulista, de coração catarinense. Gustavo cresceu no interior de São Paulo, até se mudar para Florianópolis, onde vive atualmente. Diz que se tornar escritor nunca foi um sonho de infância, mas sim uma ideia que surgiu ao longo de sua vida como leitor.
Levou três anos para terminar ‘O sorriso da hiena’, seu primeiro livro, que foi publicado de maneira independente, em 2015, até receber um contrato de publicação pela Verus Editora, parte do Grupo Editorial Record. A publicação independente havia feito certo sucesso, que aumentou muito com a publicação por uma editora de grande porte.
Atualmente Gustavo se dedica à escrita de seu novo romance policial, ‘Quando a luz se apaga’. Apesar disso, diz não querer ser um autor de apenas um gênero. Seu início no mundo editorial brasileiro é promissor. Em 2016, ‘O sorriso da hiena’ teve os direitos comprados pela Rede Globo. É provável que logo veremos uma série homônima.
“Basta a vida tocar no lugar certo para despertar o pior em qualquer pessoa”. p. 87
Sem perder o ritmo
Desde o início, o livro consegue prender a atenção. A primeira cena é forte e marcante, e já diz muito sobre como será o desenrolar do enredo. Logo após esse primeiro ato, há um salto para o futuro e, de cara, somos apresentados à outra cena do tipo. É um livro que consegue chocar o leitor.
Temos três personagens principais nessa trama: um assassino em série, um policial implacável e um psicólogo que se vê envolvido no meio disso tudo. A história dos três se cruza em diversos momentos, e a narrativa varia entre cada um deles.
Há um debate central nisso tudo: “É possível justificar o mal quando há a intenção de fazer o bem?”. É dessa forma que o enredo vai se desenvolver, com personagens fazendo suas escolhas e arcando com suas consequências. O autor não toma partido de nenhum dos lados, apenas apresenta como isso poderia afetar as pessoas envolvidas. Entretanto, não aguarde um debate aprofundado, algo muito filosófico.
Os protagonistas são interessantes, bem desenvolvidos. O vilão ganha a empatia do leitor, pois, além de inteligente, já sofreu muito na vida. O policial é portador da Síndrome de Asperger, um tipo de autismo, leve, que afeta a capacidade de socialização e comunicação (isso faz o personagem ser totalmente literal, o que rende momentos engraçados). Já o psicólogo é o mais afetado de todos, o que mais muda durante a narrativa. Esses três anos que o autor levou para finalizar o livro foram bem utilizados na construção da personalidade desses personagens.
Vale ressaltar a boa descrição da sociedade brasileira, de bairros pequenos e mais pobres. A leitura que o autor faz é muito legal, retratando cenários e situações tipicamente brasileiras, do nosso cotidiano. Mesmo que o autor não diga onde a história se passa (sabemos apenas que é uma cidade grande), temos certeza que é em algum lugar do Brasil.
“E a dor, sr. William, ela é contagiosa feito uma doença”. p.75
Há sempre um “porém”
Sim, esse é um bom thriller, com todos os pontos positivos apresentados acima. Porém, também existem falhas. Há alguns pontos que não fazem sentido no enredo, como policiais que preferem trabalhar sozinhos do que em dupla, indo sozinhos ao local do crime, ou um policial que prefere ir de táxi ao local, ao invés de ir na viatura com um parceiro. Claro, é ficção, entretanto não se trata de fantasia, e sim uma história que se baseia na realidade, que precisa ser crível.
Deus ex machina é uma expressão que vem do teatro grego, que designa uma solução mirabolante para um determinado problema que surge durante a trama, algo que cai do céu, entregue por um deus. Há muito disso nesse livro, infelizmente. Muitas soluções encontradas pelo autor estão ali só para “dar certo”, não é algo justificado, uma solução trabalhada ao longo da narrativa, não, simplesmente acontece.
Por possuir um protagonista que é psicólogo, imagina-se que a trama possua muito de psicologia. Não é o que ocorre. Essa é apenas a profissão dele, não é algo utilizado na construção do enredo. Há apenas uma explicação psicológica (traumas do passado) para justificar um ato ou outro.
Claro, esse é um livro de estreia, passível de falhas. A história, que começa acelerada e prende o leitor, se perde um pouco, devido às escolhas feitas pelo autor. As personagens secundárias não possuem grande desenvolvimento, logo nos esquecemos delas. O mistério dá lugar para “o que será que o vilão vai aprontar dessa vez?”. Existem falhas e existem muitos pontos positivos. Gustavo possui uma carreira promissora pela frente, podendo evoluir muito ainda. Tenho certeza que será um autor muito popular daqui alguns anos.
Em um mundo onde o mal nasce com a gente, todos fariam qualquer coisa, sem apego à moralidade, para não sucumbir. p. 204
Sobre a edição
Não há nada de especial. Uma edição padrão, brochura, capa com orelhas, o papel do miolo é de tonalidade off-white, o que facilita a leitura, porém de baixa gramatura, deixando-o fino. A diagramação é boa, bom trabalho de revisão; o que falha é a impressão, com páginas muito claras, ou fortes demais, algo comum nos livros do Grupo Editorial Record. Foi legal a editora manter a capa original, da publicação independente, com apenas algumas mudanças, isso preserva a identidade da obra assim como o autor a imaginou.
“— Escuta, as pessoas não dizem o que veem, dizem o que sentem. Elas vão falar sobre a própria relação com as vítimas e não sobre o crime”. p. 29
Conclusão
Leitura de ritmo constante, você não vai querer largar o livro, só vai querer fazer algumas pausas em certos momentos, pelo uso do Deus ex machina e por alguns caminhos que o autor achou melhor seguir. Uma história que choca, mostrando como o ser humano pode ser perverso, e que levanta uma pequena reflexão filosófica, ética e moral. Protagonistas fortes, que são o grande trunfo do livro. Vale a pena conhecer esse autor, que, assim como muitos, trilhou o caminho independente antes de ser publicado por uma editora renomada. A literatura nacional mostra que não deixa nada a desejar, se equiparando aos best-sellers internacionais em termos de qualidade.
“Superar é poder estar perto de algo que você decidiu largar”. p. 22
Minha nota (de 0 a 5): 3,5
Alan Martins

Parceiro

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.
Gostei da resenha, como sempre… rs 🙂
CurtirCurtido por 1 pessoa
Muito obrigado! 🙂
CurtirCurtir
Eu li faz um tempinho, lembrava vagamente da narrativa…..Eu me lembro que gostei na época, mas tinha algumas coisas meio faraônicas, que apareciam do nada, como vc definiu muito bem deus ex machina…risos…Parabéns, pela resenha! Abçs!
CurtirCurtido por 1 pessoa
A história é legal e até criativa né? Mas esses furos e coisas sem sentido deixam o livro bem abaixo do que poderia ser. Parece que faltou criatividade para o autor sair das situações que ele próprio criou, aí coloca uns elementos que surgem do nada, só para a coisa andar. Obrigado pelo comentário!
Abraço! 😀
CurtirCurtido por 1 pessoa
É verdade, tem alguns trechos muito estranhos! Abçs!
CurtirCurtido por 1 pessoa