Minhas Leituras #31: Diário do subsolo – Fiódor Dostoiévski

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“Uma análise da alma”

Título: Diário do subsolo
Autor: Fiódor Dostoiévski
Editora: Martin Claret
Ano: 2012
Páginas: 144
Tradução: Oleg Almeida
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“[…] caso o homem fosse mesmo uma tecla de piano, caso o provassem mesmo, por meio das ciências naturais e da matemática, nem assim ele mudaria de ideia, mas propositalmente faria algo contrário, apenas por ingratidão, para impor a sua opinião”. (DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Diário do subsolo. Martin Claret, 2012, p. 45)

Dostoiévski foi um dos maiores autores do século XIX. Está entre os grandes nomes da literatura russa, assim como da literatura mundial. ‘Diário do subsolo’ (1864) pode não ser sua obra mais conhecida, porém isso não retira sua importância, muito menos diminui sua grandeza. Essa novela, com tons filosóficos, narra a história de um homem que vive no subsolo, mas não estamos falando de um espaço físico, trata-se do subsolo da alma.

Um autor da alma

Como foi dito acima, Dostoiévski é considerado um dos maiores nomes da literatura mundial. Sua carreira ganhou maior notoriedade e deslanchou após ele ser liberto de sua prisão na Sibéria. Esse período de exílio se reflete em muitos de seus trabalhos.

Muitos o colocam entre os maiores psicólogos da literatura, devido ao conteúdo de suas obras, que são grandes análises da psique humana. Freud era um grande apreciador de Dostoiévski e considerava ‘Os Irmãos Karamázov’ um dos melhores livros que já havia lido.

Sua importância para o mundo da literatura é forte até os dias atuais. Muitos autores se inspiraram nesse grande autor russo, tanto autores de ficção como os de não ficção. O fato de já ter sido traduzido para mais de 170 línguas diferentes mostra, por si só, a grandeza de Dostoiévski.

“Juro-lhes, meus senhores, que ser por demais consciente é uma doença, uma verdadeira e rematada doença”. p. 22

O homem do subsolo

O que seria isso? Um homem que vive sob a terra? Não é bem assim. O significado dessa expressão é muito menos literal e vai muito mais além. O subsolo é a parte mais baixa de um homem, o local mais profundo e escuro de sua alma.

Esse homem do subsolo se considera mais inteligente do que os demais, por considerar a grande maioria inferior moralmente. Ele passou muito tempo de sua vida estudando, lendo, se afastando dos outros, e isso faz com que ele viva em seu mundinho particular.

Seu senso moral é muito grande. Cria diversas regras e rituais para si e esses devem ser seguidos à risca, é muito rígido com si mesmo. Não é uma pessoa que permite se expor, vive retraindo seus desejos e sentimentos, justamente pela sua moral exacerbada. Por isolar-se, não possui muitos laços afetivos, é, quase sempre, ignorado pela sociedade, o que aumenta sua raiva, sua frustração, e todo esse sentimento negativo é transformado em um grande desejo de acabar com o mundo. É aí que ele explode e faz/fala o que não devia.

Trata-se de um homem mesquinho, que se diz muito consciente, muito racional. Seus sentimentos são abafados por essa racionalidade. Freud explicaria muito sobre isso e isso mostra porque gostava tanto de ler o autor russo.

Esse é o retrato do homem do subsolo, segundo Dostoiévski. Uma grande análise filosófica, além de uma profunda análise psicológica. Algo magnífico para a época.

“O mundo se dana ou eu não bebo este meu chá, hein? Prefiro que o mundo se dane, contanto que eu sempre beba meu chá”. p. 130

Enredo profundo

A profundidade do enredo está nas entrelinhas, nessas pequenas análises que podem ser feitas sobre a personalidade do protagonista sem nome. Ele trabalha numa repartição pública, onde não é muito apreciado. Não possui muitos amigos. Seu maior contato humano é seu criado, o qual considera inferior a si.

Dividida em duas partes, a novela inicia-se com o protagonista falando sobre si, em forma de diário, como o título diz. Ele possui mais de quarenta anos e reconhece que passou grande parte de sua vida no subsolo. É o momento mais filosófico do livro. Na segunda parte, ele narra um pouco de sua juventude, sobre como viver no subsolo o fazia ser uma pessoa ruim. Isso nos é mostrado pelas suas tentativas de ser aceito, a qualquer custo, em rodas de amigos, em seu desprezo (sem razão) pelo seu criado e pela forma cruel e moral com que trata uma mulher (uma prostituta) — novamente sem motivo. Seu desprezo é uma tentativa de se autoafirmar, de se fazer superior.

Para quem gosta de enredos mais profundos, filosóficos, vai adorar ‘Diário do subsolo’. Quem gosta de psicologia terá um prato cheio, uma análise da alma em forma de literatura. Uma grande fonte de inspiração.

“Está-me totalmente claro hoje que, por causa da minha vaidade ilimitada e das consequentes exigências em relação a mim mesmo, eu me examinava, muitas vezes, com um desprazer colérico, o qual beirava o asco, e por esse motivo atribuía, mentalmente, a minha própria visão a qualquer um”. p.57

Sobre a edição

Esta edição foi publicada pela Martin Claret. Falar sobre traduções de obras russas no Brasil é um pouco polêmico. Existem muitas traduções indiretas, feitas a partir de outros idiomas, não do original. Isso tira a qualidade da leitura, pois se afasta demais do original.

Felizmente, a editora fez um grande trabalho dessa vez. Quem traduziu, direto do russo, foi o tradutor e autor Oleg Almeida, que nasceu na Bielorrússia, mas vive no Brasil atualmente. Sua língua materna é o russo, um grande trunfo para suas traduções. Traduzir Dostoiévski não é fácil, o autor, e o próprio idioma, fazem muitos jogos de palavras, jogos bem peculiares. O profundo conhecimento do russo permite que Almeida traduza essas particularidades da melhor maneira para o português. É uma ótima tradução, que contou com uma boa revisão.

Sobre a questão física dessa edição, é bom frisar que se trata de uma edição de bolso. Por isso é um livro de tamanho reduzido, fonte pequena (porém o conteúdo é integral). Porém é uma boa edição de bolso: brochura, apresentando capa com orelhas e papel offset para o miolo. Traz uma introdução, muito boa, escrita pelo tradutor, assim como diversas notas de rodapé.

Uma boa edição. Preço acessível, tradução direta do original. Uma das melhores entre as disponíveis no mercado brasileiro.

“Pelo menos, mesmo que o homem não tenha ficado mais truculento com a civilização, a truculência dele ficou certamente pior, mais abjeta que antes”. p. 38

Conclusão

Ler Dostoiévski é uma experiência única. Sua escrita mostra sua genialidade. Seus temas são profundos, assim como suas análises sobre o homem e a moral. ‘Diário do subsolo’ é um dos seus livros com o menor número de páginas, porém seu conteúdo é gigante. É uma narrativa sobre o homem e seus próprios conflitos, como ele se autodestrói. Uma leitura psicanalítica sobre o protagonista nos revela os conflitos entre o consciente e o inconsciente, entre um id querendo realizar seus desejos e um superego extremamente rígido.

As interpretações sobre essa obra são diversas, o que confirma sua atemporalidade. Quem gosta de literatura, deveria ler Dostoiévski, ao menos uma vez na vida.

“A natureza não o consulta, não se importa com seus desejos nem pergunta se o senhor gosta ou não gosta das leis dela. Cumpre-lhe aceitá-la tal como é, e, consequentemente, todos os seus resultados”. p. 28

Minha nota (de 0 a 5): 4,5

Alan Martins

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Uma ótima edição de bolso.

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

33 pensamentos

  1. Quero ler Alan, você me deixa com vontade de ler muitos livros. Você nem faz ideia dos livros que comprei e não li Hahha. Um que você citou também “irmãos Karamazov” vi em uma livraria e me encantei pelo livro, uma edição com aspecto envelhecido, e pela sinopse da história. desejo adquiri-lo e lê-lo um dia. Agradeço por sempre compartilhar tuas leituras.

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    1. Isso é bom, é sinal que as resenhas estão boas! Fico muito feliz com isso, pois estou conseguindo fazer que se interessem pelos livros.
      Eu recomendo, de ‘Os irmãos Karamázov’, a edição da Editora 34 (que possui um vasto catálogo de literatura russa), pois conta com tradução direta do russo, o que garante uma experiência mais fiel. A da Martin Claret, com capa dura, é com uma tradução indireta, do francês. Porém, outros livros da Claret, como ‘Crime e castigo’, ‘Humilhados e ofendidos’ e ‘O jogador’, são traduções diretas do russo, por Oleg Almeida. Se você ver o nome dele como tradutor, pode confiar!
      Grande abraço, agradeço sua visita!

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  2. Mais uma dica valiosa. Dele só li Os irmãos Karamazov, livro daqueles de dar o frio na espinha. Alan, só um toque, você escreveu cobras em vez de obras. Longe de querer ser sua editora, mas achei cômico, porque os livros de Dostoiévski combina muito bem com cobra. Por falar nisso, qual o nome que se dá em psicologia quando você quer dizer uma coisa mas fala outra?

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    1. Ainda não li ‘Os irmãos Karamazov’. Por ser um livro grande, vou ler quando tiver tempo, nas próximas férias, acho. Fico ansioso por falarem bem desse livro.
      Olha, eu agradeço por avisar sobre a troca de palavras! Acho que você quis dizer sobre ato falho, quando dizemos o que não queríamos (conscientemente), mas que na verdade queríamos dizer (inconscientemente). Mas, nesse caso eu acho que foi mais o corretor do Word do que um ato falho! 😂 Apesar de cobra combinar bem com o protagonista de ‘Diário do subsolo’.
      Obrigado pelo comentário e pelo toque!
      Abraço.

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  3. Amo esse livro. É um dos meus favoritos, lado a lado com ‘irmãos Karamazov’. Fiquei sem ar várias vezes. Gosto da mesquinharia do personagem e de sua notória maldade. Adoro a intensidade com que ele diz ‘sou um homem maldoso’. Eu me diverti bastante com suas análises cotidianas.
    Acho que vou reler em setembro. rá

    Gosto também (mas não com tanta intensidade) de ‘noites brancas’, ‘recordações da casa dos mortos’ e ‘os demônios’.

    bacio

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    1. Sim, o protagonista não mede palavras para se descrever como uma pessoa má. Ainda bem que ele percebeu isso, após muitos anos. Isso mostra que sempre podemos consertar nossos erros, nos tornar pessoas melhores.
      Ainda não li outros livros do autor, mas vários estão na lista.
      A releitura vai ser fácil, um livro bem pequeno. Será prazerosa.
      Obrigado por comentar!
      Abraço.

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    1. Acredito que também vou levar o livro guardado em minha mente, para sempre. Me deu mais vontade de ler outros livros do autor. O próximo será ‘Crime e castigo’. Já ouvi falar que ‘Diário do subsolo’ é um bom preludio para esse livro.
      Obrigado pela visita!
      Abraço.

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  4. Você tem razão quando afirma que “Ler Dostoiévski é uma experiência única.”. Ma verdade, ler as obras de “alta literatura” (concordo em gênero, número e grau com Leyla Perrone-Moisés!) sempre provocam experiências únicas, em que pese a estranheza que o plural possa causar e o risco que corro de ser impertinente. De um jeito ou de outro, tem sido um prazer acompanhar suas postagens, ainda que não com a frequência que merecem… mea culpa. Obrigado!

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    1. Concordo com sua citação. Ler alta literatura é bem diferente de se ler uma literatura de entretenimento. As duas são boas e divertem, porém essa “alta” literatura tem a diferença de marcar o leitor, trazer reflexões sobre a vida. Dostoiévski é um autor que consegue fazer isso muito bom, sua obra é muito completa nesse sentido.
      Acho que você não estava conseguindo comentar por um erro do próprio WordPress, os comentários do meu blog não possuem restrição. Foi algum bug, imagino.
      Obrigado pelo comentário, fico feliz que goste de acompanhar as postagens.
      Grande abraço!

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    1. Ainda não li ‘Noites brancas’, mas valeu pela dica. Vou procurar o livro.
      Tente ganhar esse fôlego e depois faça um post dizendo o que achou do livro. Vou gostar de saber sua opinião, para quem sabe eu adquira o livro também.
      Obrigado pelo seu comentário! Que os tempos sejam propícios para nossas leituras.
      Abraço.

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