MIinhas Leituras #25: Bíblia, Novo Testamento: os quatro Evangelhos

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“Uma edição que busca ser fiel ao texto original”

Título: Bíblia, Novo Testamento: os quatro Evangelhos vol. 1
Autor: Vários
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2017
Páginas: 424
Tradução: Frederico Lourenço
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“Porque a verdade é esta: tanto crentes como não crentes andaremos com Jesus na nossa cabeça, enquanto houver seres humanos na Terra”. (LOURENÇO, Frederico. In: Bíblia, Novo Testamento: os quatro Evangelhos vol. 1. Companhia das Letras, 2017, p. 37)

A editora Companhia das Letras apostou em um projeto ambicioso ao decidir publicar, no Brasil, essa nova tradução da Bíblia. Trata-se de uma tradução feita direta da língua grega, pelo português Frederico Lourenço. Não é apenas mais uma edição desse livro milenar, mas sim uma proposta de se manter o mais fiel possível ao texto original. Para crentes e não crentes existe um fato: a Bíblia é uma parte importante da moral ocidental e guarda diversos segredos. Este primeiro volume abrange os quatro Evangelhos do Novo Testamento. São livros que apresentam os ensinamentos de Jesus, sendo esses ensinamentos a base para o Cristianismo.

Estudando a língua grega

Frederico Lourenço é um professor universitário que estuda línguas antigas, principalmente o grego. Seu grande interesse é o grego clássico. Já traduziu obras como ‘Ilíada’ e ‘A odisseia’, de Homero (marcos da literatura grega), ambas publicadas pela Companhia das Letras em parceria com a Penguin.

Como ele nos explica na introdução dessa edição do Novo Testamento, os quatro Evangelhos foram escritos, originalmente, em grego koiné, uma forma “popular” da língua grega, que se difere do grego clássico. As versões completas mais preservadas já encontradas desses livros datam do século IV, sendo essa tradução realizada a partir do que se lê nesses originais tão antigos.

Para Lourenço, a Bíblia é um livro (um conjunto de livros) que marcam uma língua e refletem um período da história da humanidade, além de ser um belo marco da literatura grega. Por isso ele decidiu se empenhar em um projeto bem ambicioso.

“Digo-vos: haverá mais alegria no céu por um só pecador que se arrependa do que por noventa e nove justos que não necessitam de mudança”. (Lucas, 15-7, p. 278)

Diferentes versões da Bíblia

É possível encontrar diversas versões da Bíblia, além de diversas traduções. A Septuaginta, ou Bíblia dos Setenta (LXX), é a mais antiga tradução do Antigo Testamento (sendo as línguas originais desses livros o hebraico e o aramaico) para o grego. Reza a lenda — e não passa de lenda — que essa tradução foi elaborada por 72 estudiosos, daí o seu nome. Sendo isso verdade ou não, o que se pode afirmar é a crescente helenização da cultura judaica no século II A.C..

A Bíblia dos Setenta é formada por 53 livros, e junto com os 27 livros do Novo Testamento, contará com 80 livros no total; o que difere das Bíblias católicas e evangélicas, que contam com 73 e 66 livros respectivamente. Isso se deve ao fato dessas religiões excluírem certos livros de suas versões da Bíblia.

“E tal como quereis que convosco procedam as pessoas, procedei com elas do mesmo modo”. (Lucas, 6,31, p. 246)

A mais completa tradução para a língua portuguesa

O fato de o NT ter sido escrito em grego e o de que a versão com maior quantidade de livros ser a Septuaginta, também escrita em grego, foram importantes para Lourenço querer iniciar esse projeto que pretende ser a mais completa tradução Bíblia grega para o idioma português.

Por estudar o grego clássico, o tradutor preza pela fidelidade do texto, algo que se difere de outras edições traduzidas de outros idiomas, como do latim ou do inglês. Além de que muitas edições foram modificadas por copistas ao longo do tempo (antigamente, pessoas copiavam e escreviam à mão os livros e acabavam mudando uma coisinha aqui e ali). Outra preocupação do tradutor são as traduções feitas sob as lentes das religiões, que acabam modificando não a trama em si, mas os pormenores do grego e do hebraico.

Essa edição será dividida em seis volumes e pretende ser fiel aos escritos do primeiro cristianismo, no caso do Novo Testamento.

“Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás melhor para tirares o cisco do olho do teu irmão”. (Mateus, 7,5, p.82)

Uma edição crítica

O que pode haver de crítico? Bem, essa palavra é empregada aqui no sentido de ser crítico quanto à tradução. Além disso, o tradutor cita uma vasta bibliografia para basear suas inúmeras notas de rodapé.

Lourenço procura interpretar o texto de uma maneira não-teológica, e sim pela beleza do texto em si, pela sua escrita. Também faz diversas comparações entre os quatro Evangelhos, que apresentam diferenças entre si e às vezes algumas contradições. Um outro fato interessante é o de que diversas passagens do Antigo Testamento da versão LXX estão presentes no Novo Testamento, o que mostra a importância dessa versão, como ela era difundida na época dos evangelistas.

Dentre essas diferenças entre os Evangelhos, podemos notar que a única vez que o nascimento de Jesus ocorre numa manjedoura é em Lucas, e apenas em João ele carrega a sua cruz até Calvário, pois nos outros três Evangelhos essa tarefa é dada a um homem que está observando a situação. E em Marcos, no caminho do Calvário, dão de beber a Jesus vinagre misturado com mirra, o que faz todo sentido biológico (como diria o Átila do Nerdologia), já que a mirra possui propriedades anestésicas. Isso só ocorre nesse Evangelho, e Jesus se recusa a tomar, pois quis sentir a dor plena, cumprindo o que ele havia dito sobre ter de morrer e ressuscitar.

São comparações com interesse literário e histórico, já que pesquisadores da Bíblia ainda não possuem um consenso sobre a autoria dos Evangelhos, pois que nenhum é assinado por algum autor. As notas de rodapé também mostram o cuidado do tradutor ao escolher as palavras que mais se adéquam, sendo esse um grande trabalho de filologia e semântica.

“[…] chegamos à conclusão de que quase 30% do texto do Novo Testamento é de autoria desse escritor delicado e sensível, cuja obra marcou de forma indelével não só o cristianismo, mas a espiritualidade e a cultura universais”. (LOURENÇO, Frederico, p. 220)

A edição

A editora teve um grande cuidado com essa edição. É um livro com capa dura, com uma arte que imita uma de textura de escama. A capa possui uma jaqueta, sendo assim uma parte removível, que é a parte onde está escrito o título e o nome do tradutor. O papel utilizado para as páginas é o Pólen Soft, com uma boa diagramação e bom tamanho de fonte. Para marcar as páginas, a edição conta com uma fitinha de tecido. Não foram encontrados erros ortográficos durante a leitura.

Sobre a tradução, o que se pode dizer é que Frederico Lourenço mostrou bastante empenho e dedicação, querendo fazer sempre o melhor possível. Isso fica evidente em suas notas introdutórias aos Evangelhos e na primeira introdução presente nessa edição. Nessas introduções ele comenta sobre a linguagem, sobre as habilidades artísticas dos autores e sobre o que está por vir; o que demonstra a admiração do tradutor pela Bíblia, sua importância linguística e histórica. O trabalho de se traduzir de um grego tão antigo é admirável, pois naquele tempo não existiam letras minúsculas, todas eram maiúsculas. O texto também não era marcado por espaços entre as palavras. Então, era mais ou menos assim que se escrevia: OBRIGADOPORVISITARMEUBLOG.

“Por isso, digo-te que estão perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas aquele, a quem pouco se perdoa, pouco ama”. (Lucas, 7,47, p. 251)

Conclusão

Nunca li a Bíblia, mas sempre tive vontade, pela historicidade, sua influência no mundo e na cultura. Essa edição me chamou a atenção por ser uma tradução voltada para a literatura, não para o lado teológico. Não me arrependi de ter comprado, gostei tanto da parte física da edição, quanto do seu conteúdo.

Como o próprio autor diz na primeira citação que inseri no texto, Jesus está na cabeça de todos, independente da crença, por ser uma figura que influenciou tanto a formação da sociedade ocidental. Seus ensinamentos estão presentes em nossa moral, nas leis, em nossa consciência. Fora as curiosidades que o tradutor nos apresenta. Segundo Lourenço, no tempo em que os Evangelhos foram escritos, era comum que os escritores ditassem o texto a um secretário, que o escrevia. E no tempo de Jesus as leituras eram executadas em público e em voz alta, muito diferente da atual leitura solitária e silenciosa que praticamos hoje em dia.

Recomendo a leitura, pois é um livro que apresenta grande teor histórico, o que contribui para o conhecimento e crescimento pessoal. Além de ser uma boa fonte para buscar a compreensão do mundo moderno, já que o cristianismo dominou boa parte da história do mundo ocidental. Faça como eu, seja curioso, leia pelo conhecimento, não pela religião. Essa edição é muito indicada para isso, por se tratar de uma tradução crítica.

Boa parte dos que leram esse livro não o compreendeu, e muitos dos que não leram, afirmam terem compreendido e o criticam.

Minha nota (de 0 a 5): 4,5

Alan Martins

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Aqui fica bem claro o que seria essa “jaqueta” que essa edição possui. Será que a capa é feita de escamas de dragão? 🤔

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

27 pensamentos

  1. Dos 3 sinóticos Marcão é o mais solidário. Tudo o que é semelhante e que está em Lucas, o caríssimo médico, e que está em Mateus, o 1º evangelista, está em Marcos, o São Paulo do Egito. E João?. João, o teólogo do amor,…é cabal!…:)

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    1. Como o tradutor comenta, parece que Lucas escreveu seu evangelho com o livro de Marcos ao lado. Essa edição é bem legal para quem deseja conhecer a parte literária da Bíblia. Estou lendo o segundo volume, que completa o Novo Testamento. Em breve postarei a respeito.
      Obrigado pela visita.
      Abraço!

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  2. Vale lembrar que todas as traduções da Bìblia ao longo do tempo se deram a partir da primeira feita para o Latim por São Jerônimo, Século VII. Creio que se deva valozar a beleza literária, mas não deixar de buscar, “sentir” a maior das belezas que é a espiritual e, que, independente da tradução, se faz presente na Sagrda Escritura.

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    1. Sim, certamente, acredito que essa seja a maior intenção desse livro. Porém, existem aqueles que sentem preconceito e criticam, sem ao menos conhecê-la. Nesse caso, cabe a leitura, e verá que não é bem assim. Afinal, quem age são as pessoas, não o livro. Tem gente que leva as coisas ao pé da letra, aí acabam condenado a escritura. E para não crentes, vale conhecer a Bíblia pela sua beleza, pois é uma leitura muito interessante. Não quis tratar sobre espiritualidade no post por não me achar apto para tanto, já que seria um assunto mais pessoal, cada um possui suas crenças; eu acabaria escrevendo bobeira. Quis abranger mais o lado da literatura, para ser interessante a todos, incentivando a leitura.
      Obrigado pela visita!

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      1. Entendo. Também sou um leigo e acredito que todos que leem a Bìblia podem dscobrirem, sempre mais, algo novo Nela. Essa é mais uma certeza de tantas outras que ela trás. Jamais quereria gerar um debate sobre o assinto. Sei que seu foco aqui visa o lado literário. De todo modo, passou a conhecer um pouco sobre o livro dos livros, do qual também conheço tão pouco.

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      2. Isso porque ainda foram só os 4 Evangelhos. Tenho muita coisa ainda pra ler! Mas, como a publicação dessa versão ainda vai longe, é bom, porque ler tudo de uma vez não daria. Mas não se preocupe, sobre um conhecimento mais aprofundando, também sou leigo. Talvez leve uma vida para poder compreender tudo, ou nem isso seja suficiente.

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      3. O importante não será mesmo a quantidade lida, mas que a faça de uma maneira que lhe traga revelações importantes. E, saiba, certamente acontecerá.

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  3. Caramba, não tinha idéia que o Novo Testamento havia sido escrito em grego. As únicas vezes em que li a Bíblia (católica) não discutíamos no grupo da igreja os aspectos históricos. Mas eu já gostava de ler nessa época e, sem perceber, encarava a Bíblia como literatura. Quando percebi que a maioria não via assim, comecei a me desligar da Igreja. Não voltei mais.

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  4. Sou leitora da bíblia há algum tempo, os quatro evangelhos falam especialmente sobre a vida de Cristo. Ao longo do período tive a convicção: A bíblia não se contradiz, só temos que entender e aprender a pesquisar cabalmente…Como sempre muito interessante teu post. Não li essa edição que você citou, quem sabe um dia hein?! 😉

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  5. Toda tradução é uma traição (do original). Mas é interessante o cuidado da editora e do tradutor com a beleza do texto. Também nunca li a fundo a Bíblia, mas confesso que tenho interesse. Apesar de saber que tenho que me tornar um leitor melhor para poder me aventurar nesse livro.
    Abraço.

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    1. Realmente, esse não é um livro que você lê uma vez e já entende tudo. Mais leituras são necessárias para isso, porém as notas do tradutor ajudam muito nesse sentido. E a tradução foi muito cuidadosa mesmo, uma boa edição. Caprichada.

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