Como todo mundo que já visitou meu blog, ao menos alguma vez, já deve saber que sou um grande amante da literatura. Uma das coisas que mais gosto de fazer é ler, principalmente com a finalidade de entretenimento; ler é um excelente passatempo. Além da função de proporcionar prazer, da mesma forma que a ato de assistir a um filme também proporciona, esse tipo de leitura acaba nos ensinando algo. A literatura estrangeira nos passa uma visão de outras culturas, damos de cara com informações que o autor pesquisou para enriquecer sua história; não é apenas ler por ler, você está enriquecendo seu vocabulário a cada página. A pessoa que não lê não possui os subsídios necessários para a escrita, pois ela não descobrirá novas palavras, expressões e não possuirá um modelo de como fazer (ao escrever um texto). Uma leitura mais aprofundada permite analisar como o autor fez, as fontes que ele utilizou para criar sua obra, que podem ser as mais variadas possíveis.
Uma fonte muito utilizada pelos autores é a Psicologia, pois essa é a ciência que estuda o homem da forma mais intensa possível; o homem e suas relações, externas e internas, são os objetos de estudo dessa área. Este post pretende analisar, de forma resumida, como a literatura se beneficiou da Psicologia e como ela é apresentada nos livros. Ao menos dando minha visão, argumentando a partir de livros que já li. Para fazer uma análise mais minuciosa, seria necessário muito mais tempo de estudo, tanto de literatura, quanto de ciência. A intenção é chegar lá um dia, mas por enquanto ficamos com essa versão mais modesta. Digamos que essa seja uma introdução ao assunto.
Antes de termos como consciente, inconsciente, análise do comportamento ou cognitivismo serem utilizados para o estudo e como tentativa de explicar o ser humano, outros termos eram utilizados para descrever os motivos das ações do homem. Já foi dito que a alma era a essência do ser, que comportamentos considerados estranhos ou negativos eram obras de possessões demoníacas, que comportamentos positivos e grandes feitos eram manifestações do divino. Cada época possuía um discurso que era tomado como a verdade, e esse discurso influenciava os artistas e, consequentemente, suas obras. Alguns desses discursos estão presentes até hoje, na vida real e na arte.
Entretanto, o desenvolvimento das ciências humanas proporcionou um maior aprofundamento na escrita de maneira geral, principalmente na criação de personagens, sendo a Psicanálise muito utilizada para esse fim. Grande parte dos autores se baseiam nessa área de estudo para a criação da personalidade das personagens, seus motivos, seus conflitos internos, o passado interferindo no presente. Não é de menos, já que Freud desenvolveu um complexo sistema (aparelho psíquico) que explica nosso eu atual a partir de frustações experenciadas no passado, principalmente na infância. A visão psicanalítica é uma visão muito romântica, faz enorme sentido utilizá-la na literatura. A Psicanálise não possui um objeto de estudo observável, palpável, necessitando se basear em uma metaciência para se desenvolver. Isso não diminui nem aumenta a cientificidade de algo, pois a astronomia, até a ciência quântica, são áreas de estudos sérios e muito respeitados, mas áreas onde não é possível manipular e nem mesmo isolar seu objeto de estudo, e continuam sendo teorias válidas, apesar disso. O estudo do inconsciente (alvo das pesquisas de Freud) também não pode ser manipulado e nem isolado. Isso, de certa forma, instiga a mente, de uma maneira mágica ou fantasiosa. Estimula a imaginação, dá asas ao artista.
A Psicanálise também está presente em livros que possuem personagens com transtornos mentais, onde há o delírio. ‘A Metamorfose’, de Kafka, talvez seja o melhor exemplo disso. Os enredos onde essa ciência aparece são os mais sensíveis, apresentam mais sentimentos, emoções. Quando uma personagem sofre um trauma, ela se consulta com um analista que se baseia na psicanálise. Muitas obras inglesas atuais apresentam personagens com conflitos internos, sofrimento psíquico, com uma forte influência psicanalítica. O fato de Freud ter vivido seus últimos anos de vida em Londres pode ser uma provável explicação para essa influência da Psicanálise sobre muitos autores ingleses. Porém, desde o passado interpretações psicanalíticas podem ser feitas em obras literárias. Em ‘O retrato de Dorian Gray’, o polêmico autor do século XIX Oscar Wilde apresenta ao autor um jovem rapaz extremamente narcisista, cheio de conflitos internos (representando conflitos entre id, ego e superego), que transfere sua visão de “eu” para um quadro. Não é possível afirmar que essa interpretação foi intencional pelo autor, já que Freud consolidou sua teoria depois da publicação desse romance.
Já o Behaviorismo, a teoria comportamental, não está muito presente na construção das personagens, mas sim no contexto onde elas estão inseridas. Essa área da Psicologia é muito utilizada em distopias, onde há uma grande repressão exercida pelo governo sobre o povo, em situações desfavoráveis. Skinner disse que o Behaviorismo era pouco compreendido. Haviam críticos que diziam se tratar de uma teoria que poderia ser utilizada para o mal, por pessoas com intenções duvidosas. Parece que muitos autores não entenderam muito bem a teoria, ou apenas acharam interessante possuir uma base científica que justificasse seus enredos. A teoria do estímulo-resposta e, principalmente, a do condicionamento operante, estão presentes em diversas distopias. Um exemplo clássico é ‘Laranja Mecânica’, onde o protagonista Alex, um jovem que apresenta comportamento violento é forçado a um experimento que modificaria seu comportamento, tornando-o mais dócil; um experimento totalmente baseado nos estudos de Pavlov, que percebeu que o comportamento de salivar de um cão era eliciado pela presença de um pedaço de carne, dessa forma, passou a parear outros estímulos entre a presença da carne e o salivar, tornando esse estímulo intermediário o eliciador da salivação. A visão não muito romântica do Behaviorismo na literatura pode se dar pelo fato de se tratar de uma ideia que de início até parece simples, ou muito “científica”, mas que pode explicar coisas complicadas quando utilizada de maneira correta, diferente da Psicanálise, que é apresenta ideias bastante complexas, também eficazes, porém que estimulam mais a imaginação.
Continuando a falar sobre enredos onde uma grande repressão está presente, podemos citar a Psicologia Social, que é fortemente baseada na Sociologia. Por ser uma teoria com forte engajamento político, ela apresenta uma ampla gama de informação para a construção de governos centralizadores e autoritários na literatura. As coerções exercidas sobre o povo, os meios de controle (nesse caso, as teorias sociais e o Behaviorismo caminham juntas), as instituições políticas, e até a economia, que também é uma forma de controle. Muitos autores recentes utilizam conflitos sociais em seus enredos, o que é um objeto de estudo dessa psicologia. Conflitos raciais, sexuais, violência contra a mulher; são todos temas muito explorados atualmente, tanto na literatura, quanto nas ciências sociais. O livro ‘O pomar das almas perdias’, de Nadifa Mohamed, mostra os conflitos da Somália de 1987, um país governado por uma ditadura militar, cheio de conflitos dos mais diversos tipos, onde a população vivia de forma precária em meio de uma violência extrema. Também é possível analisar obras antigas baseando-se nessa teoria e fazer um levantamento de como era a sociedade da época, como ela vivia, suas tradições, sua cultura. Cultura é uma palavra muito utilizada na área social, e uma palavra muito presente na literatura como um todo. Afinal, literatura é cultura, é um produto de uma sociedade, que representa características dela.
Um estudo muito mais amplo pode ser feito utilizando a área da Psicologia e a da Literatura. Certamente será possível encontrar fatos interessantíssimos relacionando-as. Não apenas em como a ciência influencia na escrita, mas também em como os livros e histórias exercem algum papel em nossa formação, na formação da subjetividade. Talvez futuramente seja possível realizar esse tipo de estudo, que servirá como uma grande fonte de informação, tanto para a Psicologia, quanto para outras áreas das Ciências Humanas, como Letras, Sociologia e Filosofia. O que espero é que esse post seja interessante ao leitor, e que sirva de maneira informativa. Quem sabe você não faça uma leitura mais aprofundada do próximo livro que ler. A literatura é um produto do homem, e certamente o constrói. Um livro não é apenas parte intrínseca do autor, mas também de uma sociedade.
Alan Martins

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Excelente artigo. Eu adoro psicologia, assim que terminar meu curso vou estudar psicologia, se Deus quiser. E também amo literatura, você foi espetacular em unir estes dois temas tão interessantes, muito obrigada!
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Fico feliz com suas palavras!
São dois assuntos que me interessam muito e pretendo, futuramente, escrever algo mais elaborado e aprofundado. São assuntos fascinantes.
Agradeço sua visita e seu comentário, assim como as republicações!
Um grande abraço.
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Ótimo texto! Belíssima forma de falar da psicologia na literatura
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Obrigado! Saber que alguém gostou do meu texto me deixa muito feliz. Volte sempre!
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